Os dons naturais e espirituais explicam o ateísmo

Comparando os dons inatos da área artística ou esportiva com os dons espirituais, chega-se de alguma forma a entender porque é tão difícil a crença para um ateu.

Todos nós conhecemos pessoas agraciadas com dons naturais indiscutíveis, e exemplos como Chico Anysio (no humor), Elis Regina (no canto), Salvador Dali (na pintura), Pelé (no futebol), John Lennon (na composição musical) e Laurence Olivier (no teatro), acabam sendo desnecessários numa discussão sobre a existência de talentos inatos. Afinal, os dons naturais são tão visíveis quanto a nossa pele e a impossibilidade de explicação de suas origens vem ratificar o quanto são extraordinários e dignos de investigação científica, na área das proezas da mente humana.

Os dons naturais, como os citados acima, além da comparação com a concretude da pele e do reino mineral, comportam outras características que a sua condição tridimensional vem reforçar, como por exemplo, o fato de que aquele que tem um dom (doravante “talentoso”) segue sua vida prática “de qualquer modo”, podendo até ser uma pessoa sem maiores “responsabilidades”; mas o dom permanece ali, inalterável, subsistindo como uma espécie de “recurso extra” para os embates da vida, tal como funciona uma mochila de escoteiro para o escotismo e um depósito de munição para um soldado em combate.

Isto a História pôde constatar bem, tanto em talentosos que descambaram para o mau caminho (como parece ter sido o caso de Adolf Hitler, talentoso na política e na oratória), quanto em talentosos que desgraçaram suas vidas com álcool e drogas, mas jamais perdendo aquela “reserva natural”, seu dom secreto, que em muitos casos os levou ao sucesso (apesar de seu calvário nas drogas – John Lennon, Janis Joplin, Jimmy Hendrix, Raul Seixas e outros), ou à desgraça total, quando usaram sua reserva para algum plano maligno.

Tudo isso nos leva à seguinte conclusão: algumas pessoas nascem com uma determinada área de sua mente (ou alma) com uma condição a mais para enfrentar o mundo, e esta condição é dada sob a condição de ser usada para o bem comum, e quando não, equivale a ter nascido com o estopim de uma tragédia que apenas aguarda ser acionada por um mau pensamento. Já quem nasce sem um dom especial, poderá jamais chegar ao sucesso, mas também jamais produzirá uma tragédia! Eis aí uma charada boa de perguntar: o que o leitor preferiria: ter nascido talentoso para ter chance de brilhar sem maiores esforços (pois a todo mundo foi dado brilhar por muito ou todo esforço), ou, ao contrário, ter vindo ao mundo com a única chance de brilhar pelo esforço, mas também incapaz de produzir um grande malefício à Humanidade?

E não se engane o leitor: ter o dom não significa apenas vida mais fácil. Significa uma vida com tremendas responsabilidades e tentações muito maiores; porquanto os espíritos maus abrigam altas doses de inveja contra os talentosos, e tudo farão para desencaminhá-lo (‘desencaminhar’ aqui pode significar até usar o dom para enriquecimento ilícito, promiscuidades, corrupções, hipocrisias e outros pecados difíceis de controlar, os quais aderem à alma como chiclete ao cabelo). Assim, quem deseja uma vida de paz, pode ficar certo de que a humildade de uma alma comum pode ser o grande segredo, e talvez tenha sido isso que Jesus quis dizer quando explicou que “os humildes herdarão o Reino de Deus” (Mt 5,3). Pois bem.

Mas até agora só falamos de dons naturais. E os dons espirituais? Será que eles são regidos pelas mesmas regras? Num certo sentido, sim. Eles são como que uma reserva de graça oferecida às almas (nem todas) e esta reserva pode funcionar tanto por meio de um dom natural quanto por meio de uma missão divina desempenhada na terra. Neste último caso, o dom é mais elevado e deve figurar entre aquelas chamadas “virtudes teológicas”, assim chamadas por tipificarem algo intrínseco da divindade, ou de um santo consagrado por Deus. Os três maiores dons teológicos são a fé, a esperança e a caridade, sendo esta última a maior e completamente divina.

Entretanto, o nosso objetivo aqui não é um tratado sobre dons. O que estamos tratando aqui é aquilo que impede uma alma de crer em Deus, ou seja, a ausência do dom da fé. A comparação com os dons naturais servirá para mostrar a diferença crucial entre os talentos inatos e as virtudes teológicas, e assim entender porque certas pessoas têm tanta dificuldade de acreditar, ou até porque suas mentes são virtualmente bloqueadas à fé.

O fenômeno se processa assim. Todos nós temos experiência com a nossa própria mente, e sabemos muito bem o quanto é difícil dominá-la, e é por isso que os orientais dizem que controlar os pensamentos não é apenas uma virtude, mas uma necessidade imperiosa. Eles já provaram que os grandes crimes da história chegaram a ser cometidos justamente por pessoas que se deixaram levar pelos seus próprios pensamentos, e estes, uma vez vitoriosos, passavam a dominar a consciência. Após este domínio então, estava dada a largada para o imponderável. O que tem isto a ver com o dom da fé e a ausência dele? Vejamos.

Como a fé é um dom (um dos três maiores, segundo o capítulo 13 da primeira carta de Paulo aos Coríntios), quando a alma não foi nascida ou agraciada com ele, a parte consciente da mente se vê inteiramente à solta (chafurdando-se na lama de pensamentos confusos) e sem rumo, ou trilhando caminhos sem mapa, e assim toma decisões a bel prazer, muito mais por “intuições e especulações” do que por convicção concreta. As vozes que se levantam na mente, que são comuns a toda a espécie humana, precisam de um mapa ou de um “balizamento” qualquer para chegar a um consenso e ajudar a consciência a tomar decisões, e quando existe o dom da fé as vozes têm o mapa, balizando as informações necessárias para a alma encontrar o bom caminho.

O que acontece com os ateus é que, por não possuírem o mapa (ou o dom da fé), eles se deixam levar pelas milhões de vozes interiores, que se levantam dizendo para ele que aquele dado não foi provado, que aquela informação não pode ser digna de crédito ou que aquilo não passa de mera invenção de algum desocupado. E pior, por não terem mapa algum, terminam por se juntar a outros “desmapados”, igualmente perdidos, mas que já conseguiram um canudo de papel para provar um doutorado de vento e assim atiçarem outros ateus a fortalecerem suas descrenças recíprocas. A corrente da descrença é a associação de ateus insignificantes a ateus intelectuais mais antigos, cuja história já permitiu concluírem doutorados e consagração pela mídia.

Todavia, as mesmas vozes que invadiram a cabeça do ateu insignificante, invadiram também a cabeça dos doutorados. Como nenhum deles tem o dom da fé, os pensamentos soltos tiveram livre trânsito para desconfiar de tudo, e assim sendo nem mesmo Deus, que é a Verdade absoluta, poderia deles receber crédito. Mas a grande contradição deles é que, quando não se crê nem em Deus (único que não pode mentir), ninguém mais merece crédito, e assim, nem mesmo os cientistas ateus estão livres de ter seus trabalhos desacreditados – a prova disso é que, quando um deles se converte, os ateus então detratam todo o trabalho do cientista, como se ele nunca tivesse sido cego como eles.

Cegos e guias de cegos, tudo indica que as almas dos céticos não receberam a “enzima da crença”, ou o motor-gerador da fé, tal como eu não recebi olhos azuis nem cabelos lisos. A rigor, trata-se de uma “mera” deficiência, ou uma “simples ausência”, uma lacuna num coração que poderia ter nascido bem munido, do mesmo modo como um albino poderia ter nascido com melanina ou com um sistema completo de pigmentação. Assim sendo, constatado tal realidade expressa na concretude dos dons inatos, é de se perguntar o que acontecerá com os ateus, no dia em que a ciência descobrir qual é a enzima que lhes faltou na fecundação de seu pai e na gestação de sua mãe. Se a enzima puder ser sintetizada em laboratório, capturada de outros organismos ou alcançada via células-tronco, então o mundo nunca mais terá ateus, ou só os terá se eles mesmos desejarem viver com a deficiência.

O que deve estar irritando eles agora é perceber que nem podem provar nem negar tal realidade íntima dos cromossomos, pois até hoje a ciência nunca se debruçou nesta pesquisa e certamente jamais o fará, uma vez que a maioria dos cientistas também não possuem a enzima e por isso nem sequer acreditariam nesta possibilidade. E pior, é que isto pode mesmo ser impossível, pois o dom da fé pode ser do tipo formado apenas por enzimas espirituais, e por isso cromossomo algum o manifestaria.

Sim. É verdade. Estamos nadando em círculos. Mas não importa. A realidade espiritual é tão colossalmente maior que a física que nem se dá ao trabalho de descer ao nosso nível e satisfazer as nossas falsas curiosidades (falsas porque uma vez provadas, serão igualmente descridas). Ela se satisfaz a si mesma e deixa satisfeitos aqueles que nasceram completos, com uma facilidade tremenda para crer de olhos fechados e portanto para VER de olhos fechados. São mentes especiais, que nem precisam de olhos, e quando sonham vêem ainda mais nítido do que quando olham por lunetas e microscópios. Irritados? Irritados deveríamos nós estar com eles, tal como é chato viver com quem não quer trabalhar. E assim como um bom emprego não vem bajular à sua porta, Deus também não.

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