Porque Jesus pode ter sido filho único de Maria

Na única hipótese plausível, CS Lewis deu a chave do segredo da sagrada família com o único argumento lógico: o autodomínio não é apenas uma meta, mas um sagrado prazer dos santos.

Jesus filho único na manjedouraO livro “Radiografia de Maria” se propõe a analisar todas as nuances teológicas e todas as possibilidades circunstanciais da vida em família do Nazareno, e em razão disso não poderia deixar de se basear em CS Lewis, mestre emérito e paraninfo da Escola de Aprofundamento Teológico, de onde o seu autor vem. No livro em questão, deixamos em evidência, no “corpus mor”, a nossa crença de que as referências bíblicas aos irmãos de Jesus se referem de fato àquilo que literalmente dizem, i.e., que o povo da época de Jesus sabia reconhecer muito bem os parentes mais próximos de uma pessoa, não tendo havido nenhuma confusão, por parte dos concidadãos envolvidos, entre supostos “primos” e irmãos biológicos do Senhor, conforme explicita a própria epístola de Paulo aos Gálatas (Gl 1,19).

Além do mais, a equação racional mais lógica para a argumentação bíblica a favor dos vários irmãos biológicos de Jesus, não poderia deixar de utilizar a expressão “nem mesmo” para lacrar o argumento e impedir qualquer dúvida; porquanto se o ponto extremo da equação não fosse a vida de irmãos biológicos, não faria sentido hiperbolizar a figura usando “nem mesmo” para pessoas “primas” ou mesmo meio-irmãos! Logo, se o autor canônico hiperbolizou e usou a frase “NEM MESMO os irmãos de Jesus criam nele” (João 7,5), está clara a intenção desta sentença expositiva da ingente desmoralização que o Filho de Deus veio (a) sofrer no ambiente terrestre: era uma sentença hiperbólica para expor a vergonhosa situação magisterial de Jesus, pois um mestre que não conta nem mesmo com a confiança de seus próprios irmãos, não poderia mesmo fazer muitos discípulos! Enfim, eram estes os pontos mais agudos dados no livro “Radiografia de Maria”.

Cristianismo AutênticoInobstante e contudo, há uma teologia específica e estruturada acerca das virtudes teologais no livro “Mere Christianity” (“Cristianismo Autêntico”) e ilações fundamentadas em pelo menos outros 4 livros de doutrina, sem contar as alusões direcionadas aos leitores das outras obras, como a “Trilogia Espacial” e ‘As Crônicas de Nárnia’. Refiro-me aos magistrais trabalhos investigativos onde Lewis reconhece como preponderantes, sem qualquer demérito, todos os esforços humanos para alcançar a santidade, pontuando esta como o corolário daqueles esforços no sentido de impedir a ação livre do ego, que sempre trabalha para fazer a vontade rebelde da alma.

Assim Lewis explica, por exemplo, que uma vida religiosa que precisou submeter-se à auto-flagelação conseguiu muitos elogios à sua santidade desapegada e até bênçãos e graças, mas jamais foi capaz de vencer o próprio ego, o qual pode até se utilizar das feridas e dores para injetar orgulho ainda mais diabólico no coração do autoflagelador. Desta feita, Lewis defende que a glória dos mártires se deve ao caráter INVOLUNTÁRIO dos sofrimentos, o qual é o único meio capaz de “aniquilar” ou “quebrantar” um coração de pedra, justamente por tê-lo feito “engolir” a rejeição de sua vontade, cedendo o seu domínio ao “Senhor da Dor” (segundo Jack) ou à senhora dor que lhe tornou humilde.

Tentação2Isto posto, o raciocínio lewisiano serve direitinho à compreensão da vontade de Deus, a saber, que o homem se renda, i.e., entregue a sua vontade de volta a Deus, e aceite receber uma vida sem a satisfação daqueles desejos mais “naturais” – da natureza decaída – da alma, que estão constantemente em contenda contra a razão e a paz, quase sempre vencendo a guerra interior. Não era à-toa que o Senhor repetia: “se alguém quiser ser meu discípulo, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me”; “quem perder a sua vida por mim, achá-la-á”; “é dando que se recebe”; “se a semente não cair na terra e não morrer, não ressuscitará”; etc. Todas essas são passagens onde a idéia predominante é: “renda-se o homem e a sua felicidade virá com a rendição de sua vontade à vontade de Deus”. Rendido o homem, ele finalmente será feliz e alcançará a paz que excede todo entendimento.

Aqui chegamos à sagrada família. Ela era sagrada justamente porque havia “se sagrado”, i.e., havia se entregado voluntariamente à obediência e ao cumprimento da vontade de Deus, como missão única e prazer indizível, fonte da felicidade eterna e da segurança onipresente. Jesus, Maria e principalmente José estavam cônscios de que a salvação e sobretudo a santificação eram produtos exclusivos da rendição da vontade humana aos desígnios de Deus, e não tardaram a ver que a chegada de Jesus era o sinal mais evidente de que Deus os queria para si, e eles então passaram a dedicar sua vida inteira ao serviço do Rei, sendo-lhe de seu inteiro agrado, como também o foi João Batista, um homem cuja vontade simplesmente sumira de sua vida entregue a aplainar os caminhos do Senhor.

Radiografia de MariaIsto posto, pergunte-se: como aconteceram as coisas no seio da sagrada família? Ora. José e Maria sabiam, de bom coração e perfeita consciência, que NÃO HAVIA PECADO ALGUM no sexo praticado por marido e mulher na lei do Judaísmo e muito menos na Lei de Deus. Sabiam que Deus jamais os condenaria por uma “queda” sofrida numa “tentação” que a rigor nem viria do diabo, pois este sabe que o sexo conjugal é uma bênção e faz um casal feliz, e o inimigo sempre luta para fazer os casais infelizes, e não castos! Logo, neste caso específico de José e Maria, aquilo que alguém poderia chamar de tentação não caberia em lugar algum nos planos de satanás, pois ao final tudo faria parte do exercício máximo do prazer de servir a Deus, dando-lhe prova de ter vencido o descontrole sobre os desejos da carne, e ali, nesta vitória específica, estava o mais sublime gozo celestial!

Eis então porque podemos admitir que Jesus teria sido filho único; i.e., não porque seus pais pecariam se transassem, mas porque seus pais adquiriram o prazer infinito do autocontrole sobre seu próprio ego, dando “um show de santificação” perante os inimigos de Deus, que jamais apostariam em tamanha autonegação (Mateus 16,24), em troca de um prazer legítimo e santo como o sexo conjugal-matrimonial. Eis então uma prova de “martírio” extraordinário, porquanto feito com o mesmo prazer que sentem os mártires de morrer por seu Senhor: José e Maria viveram felizes por conseguirem vencer seu próprio ego, e assim se ajustar plenamente à Vontade de Deus, embora esta EM NADA os condenasse! [Por outro lado, ser filho ÚNICO seria também um ótimo teste para Jesus, pois – como Ele bem sabe – a presunção e o orgulho são o maior de todos os pecados, e a Psicologia diz que filhos únicos geralmente são egoístas e egocêntricos ao extremo; logo, Jesus teria sido criado num lar que O testaria a vida inteira, já que não teria irmão algum para concorrer com Ele nem obrigá-lo a ceder sempre a sua vez por caridade: vivendo sozinho com os pais, Ele estaria sempre tentado à presunção do egoísmo e do narcisismo]. Todavia, neste mister, mas noutra direção, ainda há uma hipótese bem concreta para agradar aos mais céticos. Confira-a no próximo parágrafo.

O Evangelho de TiagoOra; lendo um dos evangelhos ditos apócrifos, o Evangelho de Tiago*, fica claro que José era viúvo, e casou com Maria já em idade avançada (entre 55 e 65 anos) e que não contraiu com ela suas primeiras núpcias, sendo pela segunda vez um esposo decente, como foi com sua primeira mulher. Com esta igualmente felizarda, José teria tido seis ou sete filhos, os quais o acompanhavam em sua nova união, embora a rigor não dessem sinais de ser “gente boa”, ou crentes da maior qualidade. Isto dá ao lar de Jesus o ambiente perfeito e necessário para o Filho de Deus ter a experiência de conviver numa família conflituosa, da qual os evangelhos registram a terrível e cabal frase: “porque nem os seus irmãos criam nele”. Entretanto, tais pessoas não eram “irmãos” de Jesus, no sentido biológico, e muito menos primos (como injustificadamente alegam alguns ignorantes da Igreja Católica), tal como José também não tinha um único cromossomo ou elemento de DNA em comum com Jesus. Os irmãos de Jesus eram portanto irmãos adotivos, e não meio-irmãos, como as massas poderiam pensar. Mas nem isso eram, pois o próprio José nada tinha de consanguíneo com o Nazareno, sendo apenas o esposo-protetor de Maria e do menino Jesus. Logo, está explicada a inexistência de irmãos na vida de Jesus, e com isso pode-se, sem cair em contradição lógica, acatar plenamente a virgindade perpétua de Maria: José era idoso e, além disso (isto tem um peso enorme!), estava tão consagrado a Deus que não ter sexo era a sua glória aprazível, e não a sua tristeza! Isto diz tudo.

Michel Douglas e David Duchovny-2[Claro que, modernamente, com toda a Humanidade a sofrer os efeitos da sedução hipnótica da onda erotizante e do sexo livre (como Lewis muito bem explicou no mesmo livro, o “Mere”), e todo o mundo vivendo hoje em dia até a escravidão do sexo, não é de se admirar que qualquer coisa descambe para a insinuação sexual, mesmo a mais pura das criancinhas em comerciais de sabonetes. Tudo atualmente leva a mente para o sexo, e isso já virou patologia mental grave, com toda a dificuldade de combate a uma perdição emaranhada nas entranhas da alma. Tanto é que, a mesma insinuação de sexo na Sagrada Família, chegou também à vida do próprio Cristo, quando os “gênios modernos” saem do armário e vêm dizer que Jesus teve uma esposa ou simplesmente teve sexo com Madalena, para não contar coisa pior. Enfim, tudo está na pernóstica “equação do desejo sexual irresistível”, cuja exacerbação chegou ao extremo na pós-modernidade, muito mais do que houve em qualquer outra época da História (que não se enganem os historiadores de Sodoma!). No presente clima imoral, considera-se que a ausência de sexo é que é loucura, soando sempre como uma interferência pseudomoralista dos cristãos, tidos agora como “santos-do-pau-oco”. O próprio Deus-encarnado “não resistiria a um rabo de saia”! Pode?].

Então não cabe ali o nome de martírio, pois o próprio Nazareno chamou sua oblação de “fardo leve e suave”, e ainda garantiu que aqueles que renunciassem às suas vidas por amor a Ele, receberiam, já nesta vida e na outra, recompensas tais que fariam os prazeres da terra parecerem coisas sem gosto e até desagradáveis.

Capa filme StigmataCabe ainda uma observação: nesta linha de pensamento, qualquer cristão que tenha entendido bem este ponto se sentirá na obrigação de aplaudir o celibato! Porquanto ele é a última e mais forte decisão que um homem sexualmente sadio – claro, excetuando-se os pedófilos – toma no meio da sociedade, negando sexo primeiro para si, e depois para um bando de mulheres levianas, doidas para ter sexo numa geração com escassez de macho! Ouvir ou pelo menos saber que um irmão meu, com saúde e ereção diária, se nega a uma mulher que o assedia (convencida de que seduziria a qualquer um de nós), fazendo-a levar um fora do bonitão que é casado com Deus ou simplesmente vê-lo apontar para seu colarinho sacerdotal, como fez o padre Andrew Kiernan (Gabriel Byrne), no excelente filme “Stigmata”, é para dizer: viva o celibato! (mas que ele fique longe de mim! Rsssrsssss…).

Cabe então a nós, mortais não-santos, lutarmos pelo padrão de santificação de José e Maria, pedindo a Deus para que provemos, ao menos um dia, ao menos uma gota deste prazer capaz de nos fazer renunciar ao gozo carnal. E jamais saberemos, enquanto durar nossa condição atual, o quão infinito não será aquele prazer que nos fará esquecer de todos os outros, na verdadeira imersão do Paraíso. Se Ele disse à samaritana que lhe daria uma água com a qual ela nunca mais teria sede, imaginemos então o que seria um gozo que nos fizesse tão felizes e tão completos que jamais nem sequer em pensamento o teríamos desejado? Gozo só de pensar…

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(*) Tiago seria o nome de um dos “irmãos adotivos” de Jesus.

 

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