O Perdão de Deus no livro “A Última Batalha”

Deus perdoa ou jamais se sente ofendido? Esta é uma questão minuciosa e melindrosa, para a qual a linguagem humana não ajuda, e que já dividiu até grandes mestres cristãos.

Certa vez, perguntaram a um filósofo se Deus perdoa. Após refletir um tanto, ele respondeu com outro questionamento: “Para perdoar é necessário sentir-se ofendido?” – De pronto aquele interlocutor respondeu: “Sim. Se não há ofensa, como haveria perdão?” – Retornou ele novamente para o filósofo. Esse então, calmamente respondeu: “Logo, Deus não perdoa!”…

Embora a resposta nos pareça estranha, traz em si reflexões de grande monta. A primeira delas é a de que muito melhor que perdoar, é não se sentir ofendido. E para isso, é necessário que a indulgência esteja em nossa mente, que a benevolência esteja em nossas ações. Porém, quem já não se sentiu ofendido? Ainda trazemos muitas dificuldades na alma. O orgulho, a vaidade, a pretensão, todos reunidos na alma, nos fazem criaturas com grande dificuldade em não se ofender. [Trecho extraído de matéria de noticioso espírita].

Entretanto, o que queremos aqui é refletir sobre a questão: “Deus se ofende ou tem tanta humildade e o coração tão grande que JAMAIS se sente ofendido”?… No livro “A Última Batalha”, Lewis parece indicar que NADA no mundo impede o perdão de Deus, por maior que seja a ofensa. Que o Pai não condena ninguém, e que, salvo nos casos em que não há arrependimento, TODAS as almas entrarão no Céu e, se quiserem ficar lá, serão amadas para sempre. Até mesmo os demônios, se chegassem ao arrependimento, seriam perdoados e reagrupados à família de Deus. [Discuto mais longamente este assunto no livro “O Grande Divórcio do Egocentrismo” e também no “Você é um fantasma e não se enxerga”: ambos podem ser encontrados no Google].

Contudo e com efeito, se qualquer espécie de arrependimento é necessário, então é evidente que a questão da entrada de uma alma no Céu não tem nada a ver com uma ofensa ou mesmo o perdão (que está naturalmente no infinito coração) divino, dependendo muito mais de uma quebra da rebeldia interior de cada alma, único verdadeiro obstáculo para a felicidade da convivência com Deus. O negócio não está em se Deus irá perdoar, e aqui estamos pensando no pior crime de violência ou estupro contra uma criancinha, como muitos dos que são mostrados hoje em dia na TV. O nó cego está em que o indivíduo que assim age, e que já chegou a tal ponto de cegueira e ódio, começou sua desgraçada sina num único e minúsculo ato de rebeldia, lá atrás, há anos ou décadas atrás, provavelmente com desvios de caráter manifestados na primeira infância, e vivendo com pais que nunca fizeram nada para sustar tais desvios, ou até os estimularam com uma educação permissiva e sem controle.

Está, portanto, na ordem “(a)normal” das coisas que o indivíduo, criado num lar permissivo e onde todas as vontades da criança são feitas sem qualquer limite, termine por enveredar por um caminho de demonização de seu caráter, com o qual poderá, mais cedo ou mais tarde, chegar ao crime e ao estupro de menores. A questão agora é: Deus se ofende quando vê uma criança violentada?

A resposta é SIM. Porquanto o próprio Deus, em Cristo, contou que está presente no coração do próximo (seja quem for) e muito mais presente no coração das criancinhas, de quem disse pertencer o Reino de Deus (Lc 18,16 e Mt 25,40). Portanto o Deus-menino, que habita puerilmente o coração dos pequeninos, obviamente se sente profundamente ofendido com a violência sem razão (“violência sem razão” é um perigoso pleonasmo) praticada contra menores, e certamente espera um arrependimento tão grande quanto aquele crime no coração do criminoso, para então recebê-lo de volta como o fez o pai do filho pródigo.

O que importa notar neste assunto é que o Céu está sempre de portas abertas para todo mundo, independente dos pecados de cada um, e o seu ticket de ingresso é o coração arrependido daqueles que ofenderam o “Deus-presente” nos corações vitimados pelo pecado alheio. Logo, o perdão sempre deverá ser entendido como uma pré-disposição contínua de Deus de receber de volta as almas rebeldes, desde que passadas pelo filtro rigoroso do arrependimento, pelo qual Deus nos dará a vida inteira “e mais três dias”, que significam o tempo do Purgatório (que pode durar um dia ou mil anos, conforme ensinou Lewis no livro “Cartas a Malcolm”), até que as almas cheguem à lucidez do arrependimento e possam, por si mesmas, reconhecer o quão malignas foram.

Mas, para encerrar, vamos pontuar as coisas:

(1o) As pessoas podem ser tremendamente malignas, sobretudo se deixarem o pecado dominar suas consciências a vida toda, em vícios cada vez mais bloqueadores de sua visão, chegando enfim à cegueira absoluta de rebelar-se contra o próprio Amor, Deus.

(2o) Almas assim viciadas na maldade podem vir a praticar pecados que façam sofrer e matar até crianças inocentes, e assim ofenderem o Deus presente no coração daquelas crianças.

(3o) A ofensa praticada será “imprescritível” enquanto o criminoso não se arrepender profundamente e, com isso, reconhecer sua maldade e pedir perdão a Deus.

(4o) Deus deixa sempre a porta do Céu aberta, bem como seu coração (que é intrinsecamente indulgente), e uma pessoa só não entrará nele se seu pecado o tiver cegado o suficiente para não ver a porta aberta.

(5o) Deus, assim, não condena ninguém, mas se sente humanamente ofendido pelos crimes praticados contra sua presença no coração humano, e foi por isso que Jesus disse “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem” (se Jesus pediu para Deus perdoar, então é porque Ele se ofende).

(6o) Noutro sentido, e a rigor, o Deus Espírito infinito não se sente ofendido por nenhum ato humano, assim como não sente falta alguma de nada, por ser 100% auto-suficiente. Entretanto, ao assumir a carne em Cristo e elevar a Natureza tridimensional à sua glória, passou a “sentir” o coração humano como ligado ao seu, sofrendo emoções como as que o coração humano sente. Ao mesmo tempo, com isso, permitiu que o coração humano possa sentir como o coração divino, naquilo que o Cristianismo chama de “santificação e glorificação”, que algumas raras almas já sentiram quando ainda habitavam a carne.

(7o) Esta matéria será sempre dificílima para a compreensão humana, uma vez que o nosso universo é “único” (como o próprio nome diz), e o universo de Deus é um “Multiverso”, onde a própria identidade individual pode habitar em mais de uma pessoa, como ocorre com a santíssima Trindade. Por tudo isso, seja por Ele deixar sempre a porta do Céu aberta, seja por jamais se ofender, seja por se sentir ofendido “dentro de nós” quando somos vítimas de uma violência, e enquanto o nosso agressor não se arrepender, o melhor mesmo é fazer as pazes com Deus, anulando todas as nossas rebeldias.

A regra é simples, do ponto de vista da nossa compreensão, mas complicada do ponto de vista do nosso coração: fomos criados porque Deus quis; Deus nos quis para o amor, a paz e a bondade; nosso coração muitas vezes quer aquilo que Deus não planejou para nós. Logo, sejamos dignos de quem nos tirou do nada à vida, e o fez para nossa felicidade; porque só nEle encontraremos aquilo que nossa alma, na cegueira de uma pseudo-liberdade, julga conter o Bem que abandonou…

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