SEMANA LEWIS 2018: Por que CS Lewis falou tão pouco sobre a Parusia?

Dada a morte prematura aos 65 anos de idade, antes da primeira metade da década de 60, Lewis pode ter antevisto certo “retardo” nas profecias para um maior amadurecimento da Humanidade.

Numa certa altura de uma análise abrangente sobre o tempo presente e as “inexplicáveis” rixas entre as várias denominações cristãs, Lewis nos apresentou uma conclusão inquietante: talvez as rixas todas não passassem de uma prova de imaturidade, ou do quanto a Humanidade ainda está engatinhando no descortinamento da Revelação, e toda a Teologia cristã ainda estaria às apalpadelas “no pântano tenebroso” da procura da Verdade. Tal conclusão satisfaz a incredulidade dos que sempre apostam no retardo da Promessa da Parusia, e inquieta aqueles que sempre acreditam nos sinais claros de sua iminência.

Não há dúvida de que as incompreensões e discussões teológicas entre as várias denominações cristãs são resultado da longa e perigosa ignorância imposta às igrejas pela ideologia ou irresponsabilidade dos pastores, cujas intenções parecem cortejar tão somente a meta populista da “casa lotada versus dízimo gordo”, como se os membros de suas igrejas não tivessem alma ou cujas almas já estivessem 100% salvas, no milagre herético de uma espécie de predestinação.

A heresia começa na ignorância teológica herdada do reducionismo visual de Lutero, que entendeu a salvação das almas como o mero resultado de uma crença cega em Jesus, como se o pecado que destruiu 3 (três) dimensões da ontologia humana pudesse ser retirado do Homem sem que este retribuísse a Deus o dever de sua própria responsabilidade moral, ou, como alguns dizem, “o mero saber amar”. É a questão simples do perdão inútil, quando o ofensor (nós) não aceita o perdão do Ofendido (Deus), e mantém-se nutrindo os mesmos sentimentos que geraram a ofensa.

É também o esquecimento mortal das duas faces da moeda que Jesus mandou respeitar, dando a parte de Cezar a Cezar e a de Deus a Deus. A parte de Cezar é a objetiva (vai lá pessoalmente e paga o teu tributo ao governo); e a parte de Deus é a subjetiva, quando deves a postura do bom pagador em todos os sentidos. Ao morrer na cruz por nós, Jesus, o bom pagador, cumpriu a parte objetiva de nossa salvação, e esta parte do problema está 100% resolvida e encerrada. Mas a parte subjetiva também precisa “pagar o tributo devido” (Romanos 13:8), como resultado inexorável de nossa retribuição (inevitável corolário da reciprocidade do amor), aceitando o perdão de Deus e perdoando o próximo – todos os próximos – que lhe ofenderam. Perdoar “os próximos” seria um sinal de salvação operada com sucesso (certamente o maior sinal interior, por demonstrar a vitória sobre o mais recalcitrante dos instintos, o instinto da vingança). Lewis disse isso quando falou sobre O Perdão no livro “Mere Christianity*”. Ele chegou a dizer que este instinto é até mais forte que o instinto sexual.

[Se o instinto de vingança, ou, leia-se, o ódio no coração, é até mais forte que o instinto sexual, e todos sabemos o quanto o sexo é forte, está explicado porque NINGUÉM pode se salvar sem perdoar o próximo. Foi isto que Jesus explicou quando nos ensinou a oração do “Pai Nosso”. Toda esta explicação não é nossa, mas sim, de CS Lewis].

O esvaziamento da doutrina cristã da salvação (Soteriologia) levou à mais grave divisão no Corpo de Cristo, sem contar a “desnutrição espiritual” que as igrejas reformadas promoveram, criando o ambiente ideal para heresias e descrenças tão perigosas quanto a da negação de Cristo. O reducionismo traria, invariavelmente, a imaturidade, a qual, associada à preguiça mental e outras desordens do espírito, resultaria na miopia que provoca as rixas entre denominações, ou o “odium theologicum” citado por Lewis.

Teria Lewis suprimido este ponto da questão para salvaguardar sua amizade com as várias denominações? É possível. Isto porque a igreja dele (a Anglicana) não cometeu o mesmo erro das denominações egressas de Lutero e outros reformadores, e por isso é tão fácil ocorrer um bom entendimento entre católicos romanos e católicos anglicanos, ou mesmo as cúpulas das duas denominações conversarem francamente sobre “reaproximações” entre o Papa e a Rainha da Inglaterra. Os últimos anos têm sido pródigos em provar isso, sobretudo agora na Era Francisco, de Jorge Mario Bergoglio (corro para adiantar que não temos pessoalmente nenhuma simpatia por este papa… pelo contrário, temos até destilado críticas ferrenhas a ele, dadas as íntimas e indisfarçáveis relações dele com o Comunismo – veja uma das críticas NESTE link).

Mas alguém poderia objetar que a conversa sobre a Parusia está muito mais presente nos ambientes seculares do que nos intramuros das igrejas, e que o próprio Lewis deixou isso para os teólogos da Escatologia, os “estudiosos dos sinais do fim”, associados a astrônomos e cosmologistas modernos. Sem dúvida. Isto é verdade. Mas replico que Lewis voltou com carga total e pintou com cores fortes a Parusia nos livros ditos “ficcionais”, o que de qualquer modo estremeceria seu “populismo” nas bases, já que os leitores das “Crônicas de Nárnia”, da “Trilogia Espacial” e outras obras acabariam “dando com a língua nos dentes” e a crença de Lewis na iminência da Parusia ficaria exposta como galhos de árvores negras no degelo da primavera.

Inobstante, mesmo desconsiderando as obras ditas ficcionais, as poucas passagens dos livros não ficcionais que tratam da Parusia fecham a discussão sem nenhuma tergiversação, o que nos leva a identificar Lewis como um crente bastante consciente do retorno do Rei, compreendendo toda a Escatologia sem as complicações surgidas após a Reforma. No livro “Palestras que impressionam” Lewis chegou mesmo a dedicar um capítulo inteiro, embora curto, à parusia gloriosa de Jesus.

Por exemplo. A plena consciência dos chamados “novíssimos” foi deixada bem acentuada, mas nas entrelinhas de certas obras, como nas explicações que deu acerca do Céu, do Inferno e do Purgatório, já desde o livro supracitado* (leia-o como “A Razão do Cristianismo”), até no hiper profundo “Cartas a Malcolm”. No “Mere”, Lewis transforma em epígrafe gloriosa uma simples frase de sua “experiência teatral” (isto é, das vezes em que foi pessoalmente ao teatro no Reino Unido), e nada mais foi preciso acrescentar para qualquer tipo de público. Assim, todos os crentes teriam resposta completa acerca das “etapas escatológicas” do cronograma profético da Parusia, quando ele simplesmente disse: “Quando o dono da peça aparece no palco, a peça acabou”. Com isso, ele explicava o seguinte:

1) Não haverá mais nada na superfície da Terra quando Jesus reaparecer nas nuvens, naquele episódio registrado na Bíblia com a expressão “e todo olho verá”. Ou seja, ao reaparecer para os olhos humanos, Jesus fechará ou encerrará a história terrestre, e o Reino então inaugurado se abrirá no “desdobramento multidimensional” da Terra para todo o sempre, e não por um período de mil anos como muitas denominações cristãs pensam.

2) Neste caso, a chamada “Grande Tribulação” já terá passado, com os cristãos tendo vivido suas dores e sofrimentos martiriais, saindo dela muito mais fortes e honrados do que se tivessem sido poupados da dor por um suposto arrebatamento que nunca haverá. Para esta negação do arrebatamento prévio da igreja, Lewis usa, como principal argumento, a sua plena e sólida crença no poder espiritualizador e regenerador do sofrimento, dado como prova do infinito amor de Deus, como ele deixou claro em palestra universitária (confira NESTE link a lógica do Ágape que nos fere com seu “formão”, justamente porque é um pai que ama infinitamente seus filhos: aqui lembramos como Ele feriu as costas de Aravis para salvá-la, no livro 3 das ‘Crônicas’, chamado “O Cavalo e seu Menino”). PS: A ideia de que não haverá arrebatamento também já foi defendida pelo pastor Caio Fábio (veja AQUI), pelo pastor Augustus Nicodemus (AQUI) e outros pregadores de grande conhecimento bíblico e inteligência lógica.

3) O inimigo já terá sido vencido e atirado no Lago de Fogo (único lugar, afinal, onde as almas dos anjos decaídos poderiam viver, para sempre, com algum prazer e muita dor emocional da saudade inquietante de seu antigo “Pai”), e os homens maus que jamais se arrependeram nem terão percebido que trocaram de lugar entre o Hades e o Tártaro, passando a formar um bloco “homogêneo” e interfundido de almas entrelaçadas à Maldade Suprema. Ou seja, a “segunda morte” se operou longe da vista de todos!

4) O Juízo Final se processou naquele exato instante, o qual pode ser o imediatamente após a morte para nós humanos, ou o eterno AGORA para quem vive fora do tempo “cronos”. Neste caso, o Lago de Fogo sempre esteve a arder depois da última curva da esperança, e a permanência dos demônios ali não pode ser identificada por nenhuma escala temporal, e as portas do inferno, que nunca prevaleceram contra a Igreja, também nunca estiveram 100% abertas nem fechadas!

5) A Revelação do Livro do Apocalipse jamais pôs em dúvida os tempos futuros, de exclusiva autoridade do Pai, e nos pediu, desde os primórdios do Cristianismo, que nós jamais deveríamos desprezar profecias. Neste caso, a discórdia e confusão entre as várias denominações acerca do Milênio bíblico não passavam de mera ignorância, pois sendo um período de mil anos a contar de um dia de mil anos, nunca igreja alguma saberia dizer quanto tempo levaria para alcançar os mil anos literais, e muito menos quando o famigerado dia se iniciaria. Logo, o único milênio que restou (e só podia ser um) iniciou-se na primeira vinda de Cristo e se encerraria no dia em que uma profecia do Apocalipse real se cumprisse, e isto já ocorreu desde meados do Século XX.

6) Tendo o Milênio sido assim como que “desmascarado”, e seu final coincidir com a Segunda Guerra Mundial, a honestidade de cada igreja deveria perceber e pregar que o Milênio bíblico não perfaria um período de mil anos literais, pois, da primeira vinda de Jesus à Segunda Guerra, a soma final seria de 1.939 anos, ou mais precisamente 1.942 anos (se o calendário gregoriano estivesse 100% correto, e Deus “assumisse” o erro historio do papa Gregório XIII), pela seguinte numerologia: A idade de Adão (930 anos), o número das tribos do povo eleito (12) e o tempo ilustrativo da Eternidade apontado no Apocalipse, a saber, um milênio, ou seja, 1.000.

7) Finalmente, a igreja fundada por Cristo teria que ser “pós milenista” (teria que saber que o Milênio já passou); teria que ser anti arrebatamento, porque saberia que o sofrimento é algo tão importante e decisivo para a salvação das almas que qualquer cristão ficaria mui feliz em saber que não haverá honra maior nem galardão maior do que aquele recebido pelos mártires da Grande Tribulação; teria que olhar para a escalada da maldade no mundo como o desenrolar inevitável dos eventos até a prisão de satanás, que sempre esteve solto DENTRO de Tellus e nunca será preso, exceto quando Jesus fechar para sempre o Lago de Fogo após o “Tribunal Branco”; teria que olhar para o antiCristo como uma pessoa de carne e osso, com duas naturezas (homem e anjo), mas que se utilizaria de políticas mundanas (particularmente o Comunismo) para transformar o mundo numa antessala do inferno; e finalmente teria que olhar a volta de Jesus como o último ato visível deste mundo moribundo, após o qual o próprio Paraíso se descortinará diante de nossos olhos, com o som lindíssimo de multidões incontáveis louvando o Cordeiro, ao mesmo tempo em que todo olho verá o apagar das luzes deste Planeta com o estrépito de sua morte fria e vazia.

Neste parágrafo acima está o resumo perfeito e o máximo que podemos extrair da leitura dos livros de Lewis acerca da Parusia, com poucas referências nos livros não ficcionais. Como dissemos no início, Jack nem se preocupou em distinguir, acentuadamente, os detalhes intrincados do processo de finalização da vida terrestre, e se contentou em passar todos os detalhes que Deus lhe mostrou em inspiração do tipo “apostólica”, como somente de Lewis se pode dizer isso sem medo de errar. O próprio fato de ter falado muito mais para “crianças e cães farejadores” do que para os “sábios e doutores deste mundo”, revela o quão pouco interessado esteve Lewis com uma grande “audiência técnica” para ouvir sobre o futuro, e o quanto de verdade ele próprio confiou à revelação pessoal que recebeu de Deus.

Ora, se as Escrituras mostraram a humildade de apóstolos que tiveram dúvidas mesmo tendo ouvido diretamente de Jesus, quanto mais não devemos ver em Lewis a “humildade de esconder” aquela parte da Revelação que o próprio Cristo poupou aos discípulos, apontando sua revelação para a nossa época? (João 16,12). Ora, é exatamente agora que penso: será humilde pensar que estamos mesmo na época em que Jesus nos revelaria tudo? Temos certeza que a humildade de Lewis ainda apontaria para o futuro, o qual nós ousamos acreditar ser este nosso presente o tempo profetizado por Lewis. Quem sabe não estejamos vendo bem? Ou quem sabe não estejamos mesmo “vendo coisas”?…

 

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