O amor de Deus por sua “Creação”

Entendida em lato senso, a “Creação” de Deus é a maior coisa que existe, depois do próprio Deus, e se situa naquele canto do coração divino onde é depositado todo amor paternal, no qual Ele faz escolhas muito além da função e do mérito, lá onde seu Amor desempenha o seu plano inteiro.

A Trindade e o Ágape-1Como a verdadeira Teologia cristã nos diz, houve um tempo em que somente Deus existia, e que, sendo assim, por ser Ele mesmo o AMOR (como João disse “Deus é amor”), jamais poderia ser um ser único em sua essência, pois seres únicos não têm a quem amar. A ideia simplória do monoteísmo de pessoa, encampada pelo Judaísmo e pelas Testemunhas de Jeová, vem ferir esta lógica comezinha, a saber, a realidade última de que Deus é amor, e sendo amor, não poderia subsistir numa só pessoa.

Porquanto Deus possui e é, desde toda a eternidade e antes mesmo que os tempos e os espaços fossem criados, o Ágape e o mais puro Amor, que não teria sentido em se constituir amor por toda a eternidade anterior à Creação*, se Ele próprio nEle mesmo não fosse capaz de amar algo além de si. Do contrário, Deus só teria começado a amar APÓS a Creação, o que acaba fazendo o Amor Infinito depender de um ato finito, a saber, a mera invenção de objetos vivos a quem seu amor pudesse ser dirigido. É óbvio que há alguma coisa errada aí, pois o Amor Infinito de Deus é eterno, e se é eterno, existia antes de todas as coisas serem criadas ou mesmo pensadas.

A Grande Dança que ER viu-1Logo, a essência de Deus, ou a sua inefável Pessoa, só pode ser igual ao Amor se subsistir em mais de duas pessoas, pois dois não venceriam a monotonia e em quatro se perderia o senso de unidade, matematicamente falando. Portanto o verdadeiro Deus só poderia constituir um ser em três pessoas, porque só assim satisfaria a realidade do amor infinito, que já existia antes de tudo existir, não sendo jamais monótono e sendo eterno e feliz como Ele e com Ele mesmo. Assim então está constituído o Amor verdadeiro, mas antes, constitui o sentido do Ágape devotado a todas as coisas, de um coração sem começo nem fim, que literalmente tudo abarca e a todos comporta, desde antes de todas as suas primeiras obras e pensamentos criativos.

Com este Amor palpitando em seu infinito coração, nada que existe ficaria de fora dEle, e não é exagero dizer que Ele ama tudo e todos, e pouca diferença faz ao final de cada dia, onde revê tudo aquilo que fez e diz: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”, como registrou o livro de Gênesis na creação da Terra. Certamente, de fora ficaram apenas aqueles que assim o quiseram, por livre e espontânea vontade, à qual se dedica ainda respeito e por este o amor, pois o Livre-arbítrio também é creação dEle.

Isto posto, se até os demônios receberam dele Amor e deste o respeito ao seu Livre-arbítrio, por que cargas d’água Deus não amaria objetos inanimados feitos por Ele mesmo, ou a partir da matéria que Ele mesmo inventou e criou? Eis aqui se esconde o grande drama do engano protestante, que enxergou no barro de Adão o perigo do inferno, quando estava no coração do primeiro homem a idolatria que o fez rejeitar o coração de Deus, muito antes de qualquer estátua de pedra ter sido feita.Última ceia com alta luzNão é, pois, nada errado admitir que Deus ama o barro, a madeira, a cal e o cimento, como ama as baratas e as moscas. E não é lógico supor que o infinito coração se enciumaria com uma mera figurinha de pedra, quando nosso coração mal consegue amar os próprios filhos biológicos! Por isso pensar que Deus ama e é a favor das estátuas, que são obra de uma arte chamada escultura (Chesterton nos mostrou que a arte é a assinatura divina do homem), não está longe de ser a mais paternal verdade, e assim nossos lares aconchegantes e nossas capelas domésticas – como deveriam ser todas as igrejas cristãs – poderiam ser ornadas e espiritualizadas pela visão das imagens sacras, que aproximam os olhos de Deus de nossas consciências adormecidas (ou sempre a um passo da preguiça e do esquecimento). A cena da última Ceia ilustra tudo isso, para quem tiver olhos!

Deus ama a matéria; ama a matéria que Ele mesmo criou. Ama o homem. Ama a arte do homem, como sua assinatura racional. Ama o coração do homem puro, que ainda não O ama infinitamente, mas está aprendendo a amar, observando pelas estátuas o exemplo vivo dos santos que amaram a Deus… Eis aí a melhor função das estátuas de santos! E que espécie de Pai amoroso seria Deus se, vendo uma casinha pobre cheia de toscas estátuas da arte popular, não olhasse aquilo tudo com olhos misericordiosos e não quisesse até entrar ali e cear com eles? Quem julgaria Deus por estar aparentemente promovendo estátuas de barro? Quem não gostaria de entrar na casinha onde Deus entrou? E não para por aí: defendo o imenso amor de Deus pelas coisas criadas, inclusive a matéria bruta inerte, com o fim de resgatar a idéia católica do valor intrínseco das estátuas de santos. Não há como fugir disso.Paixão de Cristo - Mel Gibson-7Na verdade, as estátuas são apenas um ponto de vista da verdadeira realidade que se esconde no problema: todos aqueles que saem pregando contra as estátuas são também idólatras (Mt 7,1-5), isto até mesmo quando não idolatram a si mesmos! Pois no instante em que assistem a um filme, a qualquer filme, ou um filme como o extraordinário “Paixão de Cristo” (de Mel Gibson), vibram como se aquelas cenas, feitas de IMAGENS em movimento (é isto o que é o cinema), não tivessem também a mesma função das estátuas, a saber, dar concretude à fé abstrata do nosso coração, que precisa sempre de um apoio físico à imaginação, como CS Lewis mostrou na série “As Crônicas de Nárnia”. Isto também vale para seus álbuns de casamento, portfólios profissionais, selfies, álbuns de figurinhas de crianças, enfim, tudo é imagem, valiosa pela saudade e venerável pela lição de vida.

Deus só se volta contra a idolatria por esta ser algo que suscita o “ciúme” do Sagrado Coração, e nada mais, e por isso a veneração de imagens não é apenas tolerada, mas até estimulada por Deus, pois Ele não tem motivo algum para enciumar-se de objetos toscos como aqueles que nossas mãos fabricam, no desespero de nossa solidão pós-adâmica. E a adoração, que nosso coração não consegue dar nem a Ele mesmo, também não poderia gerar a ira de Deus, pois Ele sabe que o perigo não está no ídolo em si, mas na auto-adoração, que enfim acarreta a criação de um deus-falso e toda a crueldade dela decorrente.

Toda a ira declarada nas Escrituras contra a idolatria não passa de uma defesa contra a crueldade da presunção, que transforma objetos de barro como nós em pseudodeuses metidos a bestas, e tão idiotas que se unem ao falso deus do inferno. Eis aí o perigo da idolatria, que qualquer juízo inteligente verá que nada tem a ver com a construção e a veneração de estátuas de barro e madeira.

O Espírito Santo e seu CoraçãoO amor de Deus por sua “Creação” é, depois dEle, a maior “coisa” que existe, e se situa naquele recanto do coração divino onde é gerado e revitalizado todo o seu amor paternal, no qual Ele faz escolhas muito além da função, da necessidade e do mérito. Crer e pregar que haja qualquer ira de Deus contra a arte sacra, sagrado dever fraterno de ilustrar o inilustrável, é incorrer numa crueldade que só A Crueldade inventaria. Se existe alguma separação no Corpo de Cristo em razão de alguns de seus filhos venerarem outros filhos por via da visão e do tato, ao invés de apenas no coração e com falta, então esta separação foi obra do Separador, aquele que separou até anjos do Senhor.

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(*) Criação está sendo grafada aqui como “Creação”, com inicial maiúscula e “e” no meio, em razão de sua etimologia apontar esta grafia como a forma original de os primeiros pensadores a terem concebido, após embasamento nas lendas e nas primeiras cosmogonias angélicas testemunhadas pelo homem primitivo. Também respeita a origem do verbo em latim (“crear”).

 

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