A imbecilização da pregação proselitista

A estúpida e viciante ideia de que para agradar a Deus é necessário estar numa igreja “X” é uma decepção maior para Deus do que um mundo descrente por uma ciência corrupta.

Um dia CS Lewis, andando pelas ruas de uma cidade interiorana, imaginou que ninguém por ali, nenhum transeunte às suas vistas, poderia nem de longe sequer sonhar que ele, ali perto, estava indo se encontrar com um homem que estivera distante da Terra mais de 60 milhões de quilômetros. Guardadas as devidas proporções, sinto ter que dizer algo semelhante ao longo de todo este artigo, e a máxima clareza tentarei dar para que ao leitor não reste a mínima dúvida, como também hoje em dia não há mais a mínima dúvida em mim.

Sou um fã ardoroso de caminhadas ecológicas e ainda hoje adoro caminhar pelas ruas, apesar de todos os riscos apontados pela mídia comprada por aqueles que vendem segurança e desejam um país rico e amedrontado. Como ainda trabalho durante o dia, saio quase todas as noites de casa sozinho, a caminhar pelas ruas e avenidas de meu bairro, levando minha bengala, lanterna, identidade e alguns trocados. O assunto deste artigo nasce daí, quando passo na calçada de alguma igreja das proximidades pequenas ou grandes, que são muitas e de variadas denominações. Ou quando passo pela outra calçada, do outro lado da rua, para poder visualizar melhor a igreja, com seu nome, horários de culto e convite “venha adorar a Deus conosco”. Então a frase de Lewis reverbera em mim, do seguinte modo:

“Ninguém dali perto, de nenhuma daquelas igrejas, poderia sequer imaginar que aquele andarilho, mal vestido e de bengala, jamais poderia entrar ali, tal como a igreja também não deixaria entrar um ladrão ou um bêbado berrando palavrões”. O restante deste artigo tentará explicar por quê.

Fazer parte de uma igreja é também “limitar” sua visão à visão da denominação à qual ela pertence (isto quando pertence, pois, quando é independente e nova, não há compromisso com denominação alguma e ela reflete apenas o pensamento do seu pastor, que pode ser ainda menor!), e isto ficará tanto mais patente quanto maior for o tempo que um membro se mantenha nela. Quando um de nós passa um certo tempo (com visão aguçada) ou um longo tempo com uma visão razoável numa igreja qualquer, o corolário inevitável de conclusão é uma decepção gigantesca com a resposta espiritual dela ou uma vida inteira de oração pedindo a Deus paciência para aguentar a mediocridade! Isto é o que ocorre invariavelmente com as igrejas, digamos, deste planetinha sujo, ou com as religiões deste vale de lágrimas.

A limitação mental humana – que já foi até cantada por um desigrejado como Raul Seixas – é certamente o pior mal no caminho da Evolução Espiritual e vice-versa, e quem quer que deseje seguir seu DESTINO CÓSMICO DE ASCENSÃO (que Deus fez percorrer uma longa trilha desde a “simplicidade” do unicelular à complexidade da mente humana), terá que romper com a mediocridade circundante, seguindo o duro e doloroso caminho do autodidatismo. E se esta regra é válida para a vida dentro da liberdade louca do universo profano, muito mais valerá para a liberdade responsável do sagrado.

Portanto o leitor é chamado a refletir sobre as “panelinhas” do mundo (os círculos sociais e as classes – médicos, advogados, clubistas, fãs, times, partidos políticos, etc.) e perceber que ALI TAMBÉM o esforço próprio pelo autoaperfeiçoamento, pelo crescimento individual e pela palavra da moda (a empregabilidade), é fator decisivo para o sucesso profissional e a realização pessoal, sem a qual o indivíduo marca seu passo em marcha lenta ou até em marcha a ré, aposentando-se como um assalariado ou coisa pior. Todavia aqui, no espaço “secular”, as empresas e os clubes talvez até desejem o aperfeiçoamento de seus membros e funcionários, uma vez que podem “lucrar” com isso por contarem com “empregados” mais prestativos e úteis.

Porém tal não ocorre com as religiões, tal como não ocorre com a política (pelo menos falando em termos de Brasil e/ou países atrasados). Porquanto aqui a ideia é que se a “massa de afiliados” for burra ou medíocre, poderá ser massa de manobra para seus interesses, mantendo-se fiel ao partido ou à denominação religiosa, sem dar trabalho para segurar e garantindo perpetuidade.

Neste caso, se um indivíduo se “desviar”, por algum “milagre” dos céus, e buscar uma conscientização política ou espiritual mais profunda e honesta, ficará em maus lençóis, restando-lhe como única opção o desligamento ou a expulsão, para o bem do grupo e dele (graças a Deus!).

Uma vez do lado de fora, o mundo lhe dará a chance de entender mais as maracutaias da corrupção (na área política), e, na área religiosa, Deus lhe dará a chance de entender mais os sinais e mistérios da divindade, levando-o a ter um melhor balizamento de sua vida e da espiritualidade como um todo. Uma vez neste ponto, a volta do olhar para o partido ou igreja que um dia lhe pertenceu lhe revelam coisas que lhe dão ao mesmo tempo, um alívio (por estar fora) e uma revolta enorme por não poder escancarar a verdade aos enganados perante os líderes que os enganam.

Como nosso campo é o teológico, vamos citar dois exemplos mais práticos do que estamos argumentando.

EXEMPLO 1: Estou passando a pé por uma igreja que tem uma placa na frente dizendo: “vinde e aprendei de mim”, e simplesmente NÃO POSSO ENTRAR! Estou louco para ouvir a Palavra de Deus mas não há nada que eu ouça ali que me sirva! Já ultrapassei, pelo desenvolvimento NORMAL da mente humana, o ponto onde aquelas mensagens são úteis. Preciso de muito mais. Todavia, eu não sou o único a PRECISAR de algo mais. TODAS as mentes foram feitas por Deus para crescer e brilhar, e por isso nenhuma igreja pode dar ao seu rebanho APENAS leite espiritual, tal como uma mãe não pode alimentar seus filhos a vida inteira com leite. Então a pregação tem que aprofundar-se, robustecer-se, expandir-se ou, numa palavra, espiritualizar-se cada vez mais. Mas espiritualizar-se não é, como explicou CS Lewis, apenas um esforço emocional carismático. Espiritualizar-se é dar, a cada descoberta bíblica, sua conscientização respectiva na alma ouvinte, abrindo os horizontes para que cada espírito humano alce voo no rumo do Espírito Santo, no qual reside a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. E pior, aquela igreja também não quer me ouvir, pois quando seu pastor só dá o leite, o rebanho fica viciado e só quer mamar!

Assim sendo, meus passeios noturnos me dão a alegria de uma atividade sadia para meu corpo e a graça de saber que posso comer alimento sólido, no alívio de estar no espaço livre onde ninguém manipula minha fé. Mas também me dão a tristeza missionária de ver tanta gente surda e ensurdecida por uma pregação que lhes dá comichão nos ouvidos, até que um grande mal aconteça (geralmente uma briga com o pastor ou com um outro “fiel” ou pior, uma queda num grande pecado por pura falta de conhecimento – Mateus 22,29). Creio que foi essa tristeza que Jesus sentiu em Marcos 6,34.

EXEMPLO 2: Estou passando a pé por uma igreja que tem uma placa na frente dizendo: “Terço dos Homens”, e simplesmente NÃO POSSO ENTRAR! Estou louco para rezar com eles mas não serei bem visto ali. Nunca aprendi bem o Terço e naquele tipo de reunião ouvir a repetição de um erro de decoreba equivale a um erro espiritual. Pior, nunca fui ordenado (nunca tive a testa molhada pelo óleo da unção, exceto quando me crismei) e assim não posso competir com quem tem na cabeça a aura de um iluminado diretamente por Deus, independente de quantos e quão grandes pecados tenha, ou de quantas e quão grandes imbecilidades diga! Um grupo pode ouvir o guardião de uma fossa medonha, mas não pode ouvir quem curte a fossa da pobreza e da exclusão!

Pior: isto tudo acontece até onde ainda não é uma igreja formal, ou onde o grupo se reúne “num mero lar cristão”, no qual supostamente mandaria o dono. Porém, quando um padre ou pastor visita uma casa, eles são os donos, e o dono que se lixe. A iluminação livre e muitas vezes inata do Nazireado é sumariamente abolida ou exterminada pela descrença, e os “religiosos” usam sua descrença para impor sua crença, tudo em nome do proselitismo e nada do Evangelho.

Isto é o que forma o conceito equivocado de “leigo” e impede a verdadeira inspiração do Alto, levando a missa e sobretudo a homilia a ser obra exclusiva do clero ordenado, independente de Jesus ter dito que “o Espírito sopra aonde quer, sem que ninguém saiba donde vem ou para onde vai” (João 3,8). A regra é tão dura e ditatorial que até padres são vítimas dela, como ocorreu com Leonardo Boff.

Enfim, é este o quadro que encontro em minhas caminhadas. As igrejas cristãs (de todas as denominações) promovem diariamente o grande “paradoxo da intolerância”, a saber, ser uma porta aberta mas ao mesmo tempo fechada aos visitantes, fazendo uma espécie de “visitação seletiva” e impedindo a livre manifestação do Espírito, que inspira e sempre inspirou os profetas.

É claro que a regra tem sua razão de ser. Afinal, a Humanidade não é flor que se cheire e os falsos profetas estão aí, batendo em todas as portas, e muitas vezes de gravatinha e manga curta. A igreja precisava mesmo construir um sistema de segurança para evitar que as ovelhas caíssem em qualquer vento de doutrina (Efésios 4,14), sendo levadas por espíritos enganadores e ensinos de demônios (I Timóteo 4,1). Sem dúvida. Porém, se há um sistema de proteção para uns e para outros não, não se dará que alguns estão fortes e outros fracos? E se há fortes (que não precisam deste tipo de proteção, certamente padres e pastores), não seria então o certo FORTALECER A TODOS?

Assim sendo, mais uma vez o feitiço se volta contra o feiticeiro, i.e., o argumento que salva a Regra da Ordenação também a desqualifica, pois implica em que os ordenados não fortaleceram o rebanho para que este pudesse ouvir todos os pregadores inspirados e não ficar, a vida inteira, temerosos de falsos profetas! Se as lideranças eclesiais tivessem cuidado de seus rebanhos (Ezequiel 34,10) como deveriam, sendo “mordomos fiéis e prudentes” e fazendo aquilo que Jesus chamou de “sustento ao seu tempo” (Lucas 12,42), as pobres ovelhinhas não precisariam ficar presas o tempo todo, bebendo apenas o leite de vaca oferecido pelos seus pastores.

Conclui-se que a situação atual, que eu vejo ao passar na porta de todas as igrejas que me convidam a entrar, é uma aberração espiritual gravíssima, que Deus não poderá tolerar por muito tempo, pois sempre lutou com unhas e dentes para fortalecer seus rebanhos. Abandonadas à própria sorte de uma alimentação deficiente e imbecilizante, não é à-toa que se veja no mundo tantas e tamanhas debandadas de cristãos para credos não-cristãos, e tudo por culpa da negligência dos líderes em não aprofundar o conhecimento de Deus para seus rebanhos.

Os líderes inventaram as igrejas-infantis, rastejantes no mais baixo nível de ensino, e não será exagero acreditar que Deus cobrará deles o destino daquelas almas! Talvez até, quem sabe, ao responderem “Senhor, em teu nome até expelimos demônios”, ouçam o Senhor sentenciar: “Nem todo o que me diz Senhor Senhor entrará no meu Reino” (Mateus 7,21); pelo contrário, “o Reino de Deus vos será tirado e entregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos” (Mateus 21,43).

 

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