Por que um cristão deveria amar a igreja?

Se há uma coisa que parece um absurdo é essa história de um cristão amar a igreja. Ora, com tantos desmandos e pecados demonstrados por ela, e estando ela atualmente tão subserviente à mídia e ao populismo mais rasteiro, como salvar a ideia daquele sentimento de Jesus que a Bíblia chamou de “o zelo de tua casa me consumirá”?

Levando uma igreja-2O maior mandamento da Lei de Deus é ‘amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”, numa expressão talvez a mais conhecida da história do Cristianismo. Na noção de “próximo”, que Jesus fez questão de pontuar e que é muito ampla e polissêmica, está também a ideia de “igreja”, e todo cristão sabe que “nós somos a igreja”, bem como que nosso corpo é o santuário do Espírito Santo, bem como que “o Reino de Deus está dentro de nós”. Logo, ipso facto, e em imediata dedução, amar à igreja é também amar ao próximo, e amar ao próximo é também amar à igreja.

Todavia e contudo, os entendimentos de qualquer assunto variam muito de pessoa pra pessoa, de cérebro para cérebro, e por isso esta Escola defende que a unanimidade é IMPOSSÍVEL, como o leitor pode ver NESTE link. Pior, quando o assunto tratado é o amor e os sentimentos humanos, então as compreensões de cada alma podem se tornar verdadeiros antagonismos, e só Deus poderá, no seu grande e justo Julgamento, entender e escolher quais pensamentos não ferem a lógica da Verdade e da caridade, e só assim a Humanidade saberá o quanto era ignorante e presunçosa.

Portanto, não estaria de modo algum ilógico inferir que se a liberdade de pensamento é tão ampla e diversificada, que os dois grandes ramos do Cristianismo pensassem diferente neste mister, sobretudo a partir de um conflito ideológico que motivou sua divisão, centrado sobre uma diferença fundamental que incide exatamente nesta questão, a saber, o grau de importância da igreja, que Lutero relativizou e de certo modo até “anulou”.

Com efeito, o leitor pode ver que a questão do amor à igreja não é uma questão simples, pelo contrário, que é tão bombástica que “rachou” o Cristianismo, provocando sem dúvida a maior ferida no Corpo de Cristo, que Ele queria unido e uníssono até o seu retorno à Terra. Assim sendo, como já é de conhecimento público acerca desta Escola, temos o nosso posicionamento claro exposto desde que a EAT foi fundada, e não seria possível tratar deste assunto sem partirmos de nossa própria ideia a respeito.

Somos uma Escola de Teologia Cristã com base no pensamento de Dr. CS Lewis, nosso mestre emérito, e é com base nele que afirmamos todas as nossas posições doutrinais e eclesiológicas. Neste sentido, podemos dizer que somos “católicos lewisianos”, pois embora enxerguemos algumas sutis diferenças entre o Catolicismo e o Lewisianismo (veja um exemplo NESTE link), em sua maior parte somos católico-romanos, inclusive na questão do amor à Igreja. Vamos explicar isso.

Para o nosso mais grato entendimento, Deus nos ajudou a encontrar, em todas as pesquisas que fizemos dentro e fora dos livros de Lewis, muitas convicções que hoje nos são sublimemente caras, pois ajudaram, inclusive, a salvar almas, dentre elas a nossa própria. Uma dessas convicções chegou a nós com o cheiro e o carinho de mãe, e passamos a observar, minuciosamente, as entranhas deste afeto de misericórdia que nos invadia, ao ponto de sentirmos saudade de igrejas que nunca visitamos!

Refiro-me ao fato de que o caráter particular e peculiar da maternidade mais humana perpassa sóbrio e tocante pela própria arquitetura das catedrais e templos católicos, como que a pintar um gigantesco colo de mãe a receber em seu seio os mais diversos tipos de filhos, por mais rebeldes que tenham sido até então. A atmosfera é toda doméstica como comida caseira, e não há mecanismos desumanos e desumanizadores a frequentar aqueles ambientes saudosos da Idade Média… Mas talvez apenas algumas poucas almas descubram essas coisas! (como também apenas alguns filhos sentem um carinho especial de suas mães e por suas mães).

Entretanto, os aspectos acima evocados referem-se basicamente à matéria densa, que certamente pagará pelos pecados de seus maus pastores e sacerdotes, e o próprio Pastor um dia profetizou sua sentença final, ao dizer – olhando para a igreja – que “não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada”. Além de uma profecia lógica e 100% justa, é um lamento do Pai que ainda hoje ecoa nos corações dos filhos, aqueles que já estavam bem aconchegados em casa, à espera da volta do Filho Pródigo.

Porém nos aspectos teológicos e espirituais, a Mãe-Igreja jamais perdeu ou perderá o seu colo firme e o seu leite farto, apresentando aos filhos mais velhos o alimento sólido da verdade mais dura, e é aqui que a Grande-mãe aparece sóbria e majestosa, como Rainha e Noiva que é. Porquanto a sábia Mãe sempre estará à frente de seus filhos em tudo, abrindo seu imenso coração e seus perspicazes lábios para instruir na Verdade com amor, oferecendo aos rebentos estudiosos toda a luz que alcançou em suas elucubrações auxiliadas pelo seu Noivo, e por isso tudo o que ela diz deve servir de base para quaisquer inferências de quem se dispôs a ler e entender a Bíblia.

Catecismo da ICAR + recente-2016Aliás, a palavra da Mãe é tão sóbria que a própria Bíblia se ilumina com ela, como se pode verificar na leitura do Catecismo Católico, e daí ao Novo Catecismo e ao Futuro Catecismo, que vão granjeando boas novas mais novas a cada ano que passa! O exemplo mais famoso e antigo dessa verdade está na oração do Pai Nosso, que no Evangelho de Mateus termina com a expressão: “(…) e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”. A Santa Mãe Eclésia então, vendo que a ideia “livrar do mal” deixava muito mal livre para atacar seus filhos, fechou o Pai Nosso com a expressão: “Livrai-nos de TODOS os perigos”, como só uma mãe sabe contar nos dedos, até que nenhum perigo reste vivo perto de seus filhos.

Mas a Mãe foi muito mais longe que isso. Ela estudou todas as leis, as reveladas e as ocultas, e delas deduziu coisas muito além do que podiam supor os melhores sonhos e os piores pesadelos de seus filhos. Sabendo ela que estes morreriam com dívidas pesadas e inconfessas ao seu Pai, e usando óculos com lentes de microscópio, descobriu evidências de uma restauração post mortem ensejada tão somente pela infinita misericórdia do Pai, pela qual deduziu um estágio de purificação anterior à santificação do Paraíso, e ao qual TODOS os seus filhos compareceriam, e até pediriam mesmo para comparecer ali, pois ela mesma deixaria no coração deles a vergonha de tentar entrar no Reino do Pai sem o perfume de Cristo, ou carregando a fedentina deste planeta infernal.

Daí que a santa mãe Igreja revela em cores fortes o Purgatório que a Bíblia revela em cores cinzentas, indo muito além da Escatologia Acadêmica de seus filhos “separados”, iludidos pela simplicidade inexistente na Revelação de Deus (e forçada pela preguiça mental do mundo decaído e influente sobre as mentes dos filhos separados dela). E foi além…

Igreja-guerreira-2A Igreja recebeu de Deus justamente este dom, que pode ser traduzido com diversas expressões bíblicas, como “discernimento de espíritos”, “profecia”, “presciência” e outras palavras especiais por estarem sempre muito longe de nossa visão reducionista, que tende ao zero pela acídia oriunda do pecado original. Neste sentido, então, muitas verdades essenciais, que estão na Bíblia apenas por uma alusão forçada ou por alto esforço de metaforização (que muitos detratores chamam de “cirurgia hermenêutica”), foram viabilizadas pelo pensar e repensar teológico da Santa Madre Eclésia, que, sempre sob impulso do Espírito que perscruta todas as coisas (I Co 2,10-16), vislumbra e traz a lume outros aspectos e fatos da Verdade que não foi possível à Bíblia explicitar, dada a grandeza e complexidade da Revelação Total (João 21,25).

Os mais famosos exemplos desta amplitude visual e da crescente abrangência da Revelação paulatina da Verdade até o fim dos tempos, incidem exatamente em questões que inquietam a mente humana e a convocam para crescer sem parar, sem descanso, e vendo sempre mais e mais longe, como Deus vê e quer que vejamos! Estas questões inquietantes recaem decisivamente sobre todos os meandros da Revelação Bíblica, inclusive em deduções, episódios e personagens não citados ou não relevantes, ou sobre fatos e pessoas aos quais nunca demos a importância que eles merecem.

O melhor exemplo dessas coisas é a evolução da Mariologia. A Igreja foi crescendo em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens e abrindo cada vez mais os seus olhos, e assim podia ver, cada vez mais claramente, onde, como e em que Maria de Nazaré entrava na História da Salvação e na mente divina, sutil e soberanamente. E o raciocínio insistente desde o início, nos primeiros séculos do Cristianismo, era que a Humildade de Deus é infinita (assim como sua Misericórdia e sua Justiça) e que um ser infinitamente humilde teria uma relação diferente com a criatura humana, a começar do instante em que decidisse se submeter à criatura como um feto masculino, assumindo a condição de servo sofredor, inserido no contexto de uma família humana, pobre e sem horizontes.

Ao querer assumir esta condição, o aceitar ser um pobre israelita de um bolsão de miséria chamado “Galileia”, formando-se no útero de “uma maria qualquer”, paupérrima e semi-analfabeta nas elucubrações científico-filosóficas da época, nascendo inclusive no meio da fedentina de uma caverna usada para guardar – esterco de – gado bovino, eqüino e caprino, o único Deus do universo modificou violentamente a sua própria natureza em sua Segunda Pessoa da Trindade, seu Filho Cristo, e passou a desejar e amar a condição de mero homem sob um teto de palha, e sob os cuidados de uma família desfavorecida de $ mas favorecida da Graça: agora Ele era um menino-Deus, que tinha uma mãe e uma família humana, e pela qual lutaria até o fim de sua vida e a entronizaria em seu Reino escatológico, ao lado daqueles que passou a amar ou que já amava antes de os criar.

A partir dessa nova condição por Ele assumida com todo o Ágape divino, a Igreja viu logo que, se “uma maria qualquer”, recebe em seu ventre o próprio “Rei do Universo”, ela não poderia mesmo ser uma qualquer! Ora, ela é rainha, pois mãe de Rei é rainha! Ora, ela é divina, pois foi aquela a quem o próprio Deus quis ter como mãe! Então o próprio Deus, pelo seu amor infinito à sua mãe, não recusaria e até gostaria de vê-la chamada de “Mãe de Deus”. A partir desse ponto, as demais deduções da básica lógica desta verdade seriam relativamente fáceis de antever, pois cada descoberta de hoje aponta para as descobertas de amanhã, tal como uma primeira traição marital aponta para um divórcio.

Assim, se Maria pode ser chamada de Rainha e Mãe de Deus (contrariando violentamente as Testemunhas de Jeová que negam a divindade de Jesus), era lícito deduzir que ela teria um “trânsito” mais fácil até o Paraíso, como acontece com todos os mártires da fé cristã. Este trânsito facilitado por sua proximidade filial com o corpo de Jesus (inclusive biológica), que na terra seria chamada de “apadrinhamento” em ciência política, garante necessariamente toda a titulação a ela outorgada, bem como os “privilégios” contidos sob a expressão “cheia de Graça”, “Abençoada” e outras que os evangelistas canônicos já registravam.

Nossa Sra da DefesaDaí que as deduções posteriores da Igreja foram se mostrando cada vez mais lógicas e descortinando uma realidade celestial muito além do conceito de família paradisíaca, e Maria passou a comandar tudo, pois seu Filho jamais lhe negaria nada, muito menos o seu amor… Não porque não tivesse poder ou o negasse à nossa salvação, mas porque sua humildade infinita sempre quis ver sua própria Mãe-de-carne-e-osso a suplantar todos os obstáculos e bloqueios do inimigo de Deus, fazendo-o morrer da inveja que um dia sentiu de Eva, a quem desviou. Então deduzir que Maria era guerreira, lutadora, com espada na mão e tudo, foi só um passo. Um passo lógico. É lógico.

Para não tornar o artigo longo e cansativo, dizemos que todas as conclusões da Igreja sobre Nossa Senhora provam sua inteligência para com os sinais deixados na Revelação bíblica, aos quais todos os olhos inteligentes se voltariam, se tivessem se dado ao trabalho de pesquisar minuciosamente, seguindo a orientação de Paulo (“examinai tudo e retende o que é bom”) e de Jesus mesmo, quando nos pedia para observarmos bem as coisas, como os lírios do campo e as aves de céu (Maria também foi chamada de “Lírio de Deus” e “Ave Maria”).

Jesus dá Maria a João-7A última visão faltante é a da maternidade da Igreja. Da Igreja como família de Deus, família da fé. Maria é também Mãe da Igreja, que também se faz mãe-da-fé. De Maria pode-se dizer “minha mãe ou nossa mãe”, porque é mãe do nosso Salvador, que nos chamou de “irmãos”. O próprio Salvador a entregou e doou como Mãe a nós, representados por João Evangelista ao pé da cruz, que era o discípulo amado certamente porque amava muito mais à mãe dEle, e ao dar sua mãe a ele, deu-a a nós e nós agora temos uma mãe celestial. Está certa a Mãe-igreja quando prega “tudo por Jesus, nada sem Maria”. O filho pródigo também é uma alegre alegoria da volta à Casa da Mãe, com todas as razões de um bom retorno, pois o Pai que saiu ao caminho para receber o filho, muito tempo antes também havia recebido a Mãe na/da Igreja. E se um pai corre louco para reencontrar um filho perdido que volta sujo mas vivo, o quanto não correria uma mãe para agasalhá-lo e alimentá-lo?

E mais: Qual filho não ama a sua mãe? Qual bom filho não ama sua família, e ama viver nela, e sob os cuidados dela? E qual filho não se ofende quando não tratam bem à sua mãe? Eis aqui o retrato perfeito da realidade da Igreja: foi ela quem nos trouxe a Palavra de Deus, transmitindo-a primeiro oralmente, e depois por escrito. Sem a Igreja, não haveria Bíblia, e o caminho da salvação estaria muito mais dificultado e desacreditado. Sem Bíblia, conhecer Jesus talvez só ocorresse após a morte, se é que iríamos reconhecer a sua inefável luz no meio das trevas!

Enfim, por tudo isso, qual filho seria tão ingrato ao ponto de não amar aquela que por ele fez tudo e até sacrificou-se diariamente por sua saúde e longevidade? Aquela que sofreu horrores e perseguições para garantir a Verdade salvadora? O mapa da salvação… – Logo, ser cristão é antes de tudo amar a Igreja, nossa mãe na fé, que nos apresentou seu Filho, o Salvador. Sem Ele, aliás, sem ela, o que seria de nós? Ou qual mesquinho coração não nutriria amor por alguém que só nos fez o bem, agora que sabemos ter feito o nosso bem maior, a saber, garantir-nos entrada naquela família celestial onde o próprio Senhor se alegra de continuar sua vida sólida ao lado daquela que O criou?

 

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