Porque a Antiguidade é apontada como “A Era mais romântica”

Conversando sobre valores da Antiguidade que CS Lewis tanto prezava, e que o mundo moderno jamais deveria ter menosprezado e ao final perdido por completo.

Será que alguém no mundo consegue assistir uma cena bucólica da noite parisiense medieval e não pensar: “Ah, como eu queria ter estado ali! Ah como eu queria ter amado assim”. E esta nostalgia feliz nem está incidindo sobre a Antiguidade propriamente dita, pois se o medievo suscita tais enlevos, o que não dizer das mil e uma noites do Egito, com seus tapetes aveludados e suas danças do ventre entre mil lençóis esvoaçantes?…

Ora, essas são imagens quase oníricas para o homem pós-moderno, que subsiste dentro de um mundo frio e extremamente competitivo, no qual as únicas preocupações se voltam para o trabalho e o que comer no mês seguinte, no duplo-sentido pervertido de uma era edonista, onde a vida só tem sentido se regida por um prazer que faça esquecer a crueza e a crueldade das ruas. Obrigado a conviver com uma quantidade sufocante de indivíduos em toda parte, a identificação pessoal passa longe e com ela os relacionamentos humanos ficam cada vez mais superficiais e fugazes, o que praticamente empurra todo mundo para o sexo casual e sem compromisso.

Nesta atmosfera acelerada e impessoalizada pela explosão demográfica, os relacionamentos amorosos mal merecem este nome, e assim poucos namoros e casamentos duram algum tempo, sendo o mais comum as relações de alguns anos ou até de alguns meses, com os exemplos pipocando em todas as mídias do mundo, sobretudo nas grandes cidades.

É aqui que o Homem pós-moderno se questiona, mormente se tiver a rara oportunidade de conhecer o romantismo antigo, seja em contos ou em dramas maiores, e então termina por descobrir, frustrado, o imenso vazio emocional das atuais gerações, que trocaram a transcendental experiência do amor pela mera sensação física (quando a saúde permite), alcançada pela insatisfatória correria do sexo pelo sexo.

Não é à-toa que pensadores das grandes e mais antigas universidades européias estão a reintroduzir matérias relacionadas ao romantismo antigo e medieval, como forma de ajudar seus alunos a terem, pelo menos, algum conhecimento de como as coisas eram e poderiam ser diferentes, se cada alma humana agisse com calma, em busca de si mesma, na experiência transcendental com o outro e com Deus.

Com efeito, o que caracteriza o passado como mais romântico do que os nossos dias? Ora, penso que seja justamente o fato de que os casamentos antigos possuíam a atmosfera respeitosa dos grandes acordos políticos, entre nobres e gentlemans, nos quais estava preservada, com segredo e segurança, a lealdade acima de tudo, e em comparação com meros contratos de ocasião, onde outras atividades às vezes menos honradas eram tentadas, com vistas a se procurar alguma vantagem política ou financeira.

Estava e ficava cada vez mais clara a distinção entre o oficial e o extra-oficial, e este jamais ganhava status compatível com o outro, mantendo seu lugar temporário tão somente enquanto gerasse a vantagem que a princípio antecipou. O contrato por tempo determinado nunca seria transformado em indeterminado, porque carecia de substância e qualidade para galgar outro posto.

Assim também valia em relação ao casamento. O casamento era o grande acordo, explícito e implícito, no qual um homem e uma mulher, a princípio ou em princípio apaixonados, decidiam prometer seu futuro um ao outro, e por ele lutar até à morte, custe o que custar. A força desta promessa, invariavelmente realizada perante a sociedade, o padre e Deus, ganhava presença tão decisiva que ninguém nem cogitava de diminuir-lhe o valor, sob receio de perder também as bênçãos divinas do sacramento protetor. Era um “Casamento-a-Três”, entre um homem, uma mulher e Deus, e por isso era absolutamente Sacramental, na exata expressão do termo.

Em razão disso, mesmo quando o homem ou a mulher casavam levando vícios destrutivos para o lar, o Acordo era valorizado em cada novo desafio, e por ele se morria ou se matava para ir com ele até que a morte o separe. Se a promessa falava em ficar junto na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, ela continuava sendo promessa de gente honrada, que antes de qualquer loucura temiam a difamação social, que seguia como os olhos fiscalizadores da Moral divina.

Na verdade, façamos uma pausa para a justiça entrar aqui: o matrimônio cristão do passado não era apenas melhor por ser levado a sério pelo casal que casava, mas também por estar inserido numa sociedade que a ele respeitava, além da valorização social do bom caráter do marido e da esposa, o qual era demonstrado muito além das aparências, seja no lar, no trabalho, na escola, nas ruas, etc.

Logo, mesmo quando aqueles vícios destrutivos ameaçavam a paz dominante no lar, que era muito mais visitado do que os lares modernos, os cônjuges seguiam sua autodeterminação de se curarem de sua praga individual, não dando chance ao escândalo e muito menos à fofoca destrutiva de comadres ouvintes de telenovelas, como as atuais. E quando não conseguiam a cura, geralmente procurada com a ajuda de padres e gurus, e muitas vezes (in)confessa, o cônjuge viciado então iria manter uma vida dupla em segredo de estado, não apenas porque tinha consciência de seu vício, mas porque queria, a todo custo, manter seu casamento e sua amizade ao cônjuge “inocente”.

Noutras palavras, o romantismo era plenamente preponderante porque não apenas o amor culminava no altar de Deus, mas também porque quando todas as promessas e poderes eram ameaçados por um vício invencível, o viciado morria negando e escondendo tudo, até de outros viciados (ao contrário de hoje, em que se conta tudo pra todo mundo!), pois tinha certo senso de proteção social da inocência, e também não fazia idéia do quão maligno era o outro, ou se o vício do outro não era (in)justamente a fofoca com cônjuges traídos.

Além disso tudo, como a grande maioria não trazia vícios patológicos e mantinham a fé bem viva em seu Deus e sua Igreja, o clima geral da sociedade era favorável a uniões belíssimas, como a que alguns filmes românticos mostram, daquelas em que se lutava até em respeito a uma dívida de sangue, quando o marido ou a mulher chegavam a correr risco de vida ou ao martírio para salvar o outro. Quem não se lembra de Romeu e Julieta?

Tudo isso além das etiquetas sociais, do tratamento cortês e galantes a vida inteira, da capa dada para a mulher pular a poça d’água, da porta da carruagem aberta para o(a) amado(a), da história do seu amor contada ao ouvido ou à mesa após um jantar de velas, à condução da mulher aos braços, à relação nunca iniciada sem uma boa sessão de preliminares regadas a algum vinho e muito beijo, enfim, uma história das mil e uma noites de amor cantada e decantada pelos poemas de Shakespeare.

O trunfo da Antiguidade e do Medievo no quesito romantismo se deve a estes fatores aqui elencados. E que ninguém pense que seriam somente as regras de educação e da etiqueta social que faziam daquele tempo uma ópera de lirismo inimitável! Claro que não. Era o casamento em si. O Casamento-a-Três. O casamento como objeto e objetivo maior da vida feliz, ou de cuja felicidade dependia toda a saúde e a moral social. Até mesmo uma linda jovem que confessasse estar buscando um bom marido era bem vista, não apenas pelas demais jovens, mas até pelas meretrizes que porventura soubessem de sua história. E não apenas porque poderia ser sustentada a vida toda por um homem, mas porque poderia viver feliz para sempre sendo somente uma mãe e uma dona de casa.

A grande diferença entre o romance moderno e o antigo não estava, pois, na ausência de interesse e até de disposição para ser romântico dos rapazes de hoje, e muito menos na facilidade com que os rapazes conseguem sexo. A diferença estava no espírito de toda a sociedade, que sabia dar valor ao que de fato eram os valores humanos mais elevados, todos baseados na Moral e na ética. Claro que havia lugar para a imoralidade e a infidelidade nos tempos antigos, mas até estas conheciam o seu lugar e não passavam das quatro paredes de um prostíbulo, e este tinha todo respeito por quem passava ao longe, pois qualquer sinal de intromissão na sociedade de quem levava vida escusa poderia fechar as portas de seu ganha-pão. Enfim, era um lugar e uma época em que a sociedade inteira concebia um bordel como uma espécie de hospital dos instintos, e a saúde da alma passava longe dele.

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