A Graça das Garças (Entendendo a opção preferencial pelos pobres)

Entendendo a opção preferencial pelos pobres: Quando a Igreja prova que é sábia ao interpretar a Palavra de Deus – Texto-base subliminar: “Bem-aventurados são aqueles que lavaram as suas vestiduras no sangue do Cordeiro”

Garça-real e cascatasHá muitos anos faço caminhadas pelas matas e descampados do interior nordestino e também assisto filmes e documentários sobre outros caminhantes, verificando, com alegria, que o cenário aqui descrito é comum a todos. Refiro-me à visão de garças reais ou garças-brancas (Casmerodius Albus Egretta) nos lagos, rios e açudes a região, às quais se fazem presentes em todo o território nacional e no resto do mundo, pois o animal é um dos mais presentes em todos os ecossistemas, variando apenas a espécie ou família. Esta “onipresença” e brava resistência é justamente o tema desta reflexão.

A garça é uma ave excepcional e diferenciada, espelhando sempre uma nobreza ímpar, como poucos animais têm. Ela cumpre a sua dieta predominantemente à base de peixes e outros bichinhos aquáticos, o que lhe faz estar sempre próxima da água e denunciando águas onde existem peixes. É de voo cadenciado e lento, raramente indo muito mais alto que a copa das árvores mais altas. Se tivesse a carne saborosa como a das galinhas, dificilmente teria sobrevivido à Idade Média, onde o caçador era nobre, a caça benquista e o caçado troféu.

Mas o detalhe maior e mais chamativo das garças é a sua “alvura sacra”, tão branca que às vezes chega a refletir o sol! E mais, é de uma tecedura tão sedosa que quase não pega sujeira, mesmo quando caça sapos pulando nos lamaçais!… Isto já foi tanto espanto para os homens primitivos, quanto o foi objeto de pesquisa para os ornitólogos modernos. Porém é na sua brancura estelar que reside também o “mysterium salutis”, o qual deveria entronizá-la no alto da lista dos “animais sagrados”. Ora; rolinhas, pardais, papagaios e corujas têm cores quase idênticas às cores das árvores e montanhas onde vivem; gafanhotos, esperanças e camaleões se mimetizam com perfeição invejável, e os animais do Ártico têm todos cor branca, confundindo-se com a cor-ambiente da neve. Mas a garça não: sua cor é tudo o contrário do que deveria ter um animal grande e frágil, que precisasse de um disfarce qualquer para não ser caçado.

Garças não têm mimetismoA pergunta é: “Como um animal tão lento, tão desengonçado, de tamanho avantajado para uma ave, de asas tão pesadas (mesmo quando secas), de inocência tão flagrante, de inteligência tão curta, de confiança tão exagerada no ‘recurso’ do voo, e sobretudo, de plumagem tão vistosa e autodenunciante, poderá ter sobrevivo desde os primórdios da história das aves? Como um animal assim, com todas essas características de fragilidade e desproteção, pode ainda estar vivo na Terra (e em quantidade tão abundante que quase não esteve presente nas famosas listas de animais em extinção?), quando tantos outros, mais fortes e mais protegidos, já se foram?”… Mistério divinal!

Uma corrente científica se levanta e diz que as garças têm sobrevivido graças à sua carne dura e mal cheirosa, que não desperta o apetite de ninguém, exceto de jacarés famintos! Pode ser… embora isto não explique como outros animais, igualmente desagradáveis ao paladar, estão agora ameaçados de extinção. A carne dura e mal cheirosa é, portanto, apenas “a ponta do iceberg”, e igualmente significante. E creio que isto apenas aumenta o mistério, ou dá a ele a única resposta completa, a que nos fez escrever.

O Cristianismo tradicional, sobretudo o católico-romano, tem declarado reiteradas vezes a indeclinável opção preferencial pelos pobres, a qual teria sido escolha prévia de Deus (as aves são mais antigas que os mamíferos) e depois endossada pessoalmente, quando o Nazareno viu as indisfarçáveis semelhanças entre todos os desfavorecidos do mundo, sejam homens ou animais. Até na palavra de Jesus estava explicada a longevidade persistente dos desfavorecidos, quando o Cristo disse que “os pobres SEMPRE os tereis convosco”. Agora vemos que a frase também deve ser: “As garças sempre as tereis convosco”.

Pobreza pedinteSão os desfavorecidos, desprotegidos, de fuga lenta, de mente curta, de confiança ingênua, de presença marcante e autodenunciante, de cheiro desagradável, sem amparo policial, sem apoio governamental, sem apadrinhamentos, sem moradia fixa, etc., que receberam de Deus a sua maior atenção paternal, e isto doa em quem doer! As garças foram escolhidas por Deus para dar este exemplo vívido, estampado num animal branquíssimo e vistoso a todos, mas lento, quase incapaz de se defender, ou sem leis e advogados a protegê-lo (pois estes, no capitalismo autofágico, só defendem aqueles que os podem pagar regiamente).

A opção preferencial pelos pobres é, pois, um portentoso gesto da bondade de Deus, que corre a socorrer os desfavorecidos dos 4 cantos do mundo, não importando a cor da pele e o azul dos olhos, ao contrário do infeliz exemplo dado pelo ex-presidente Lula, quando apontava os culpados pela crise financeira atual. “Os ricos produziram a crise”, era isto que queria dizer o então presidente, que uma vez já se pronunciara assim na sua verborragia irrefreável (certamente ele falava tanto que, para não se repetir demais, acabava inventando “sinônimos toscos”, pois“brancos e de olhos azuis” não é, nem de longe, sinônimo de ricos, e Lula hoje já sabe que errou feio).

Portanto, Deus concorda com a culpabilidade dos ricos, quando faz a sua inexorável opção pelos pobres, e manda a Igreja pensar, pregar e vivenciar isto. Discorrer sobre onde estaria a culpa dos ricos seria chover no molhado, pois poucos de nós não estamos cansados de saber que a presunção, o egoísmo e o acúmulo de bens (sem piedade ou mesmo lembrança de gente passando fome) gera revolta e injustiça social, fazendo o país e o mundo mergulharem na mais tresloucada violência.

Pobreza e Leonardo BoffJá a defesa intransigente dos necessitados de tudo, dos sem amparo nenhum, dos que sofrem para conseguir quem se lembre de suas aflições, dos “encurvados” (“anawim”, este é o sentido de “pobres” no original bíblico), dos desvalidos, dos excluídos, etc., sim, a defesa destes chega a ser até o óbvio ululante na Justiça Divina, que tarda, mas não falha. Aliás, nem tarda, no calendário de Deus, como provam as angústias e depressões da ‘Classe A’ e o índice de suicídios nos países ricos.

A Graça das garças é então a mais bela manifestação da Justiça do Criador, cantada e decantada na sabedoria popular que de há muito entendeu que “Deus dá a roupa conforme o frio”. A pobreza está protegida pela Onipotência, como autêntico Sacramento de Deus, embora pareça estar no inferno da carência absoluta. Mas proteção é um sinônimo de Justiça, e esta de recompensa. Sim, a alvura está protegida, e pintará de branco lagos e rios até a volta do Rei. Mas ai de quem entender a alvura aqui apenas como a cor das garças.

 

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