O homem de Deus jamais poderia abrir a boca!

Num fenômeno único e indiscutível, a Humanidade inteira fecharia seus ouvidos ao último profeta, e isto é tão especial que talvez somente um fosse digno desta menção e a Bíblia trataria o caso com pouquíssimas alusões.

Amordaçado-homem

A Bíblia inteira pode, ou tem cacife para poder, ser interpretada como inteiramente escatológica, e todas as suas palavras serem, a rigor, uma sutil e às vezes dura pregação profética. Toda a lógica bíblica endossa a noção de que, tendo Jesus dito que no fim dos tempos haveria sofrimento tal como nunca houve desde que o mundo é mundo, tudo o que ali está escrito tinha um endereço certo: alertar a Humanidade para os terríveis anos anteriores à parusia. Até trechos aparentemente contextualizados, dados para uma sociedade não-tecnológica, como aquele em que Paulo diz ouvir uma voz em sonho lhe dizer “Paulo, fala e não te cales” (Atos 18,9), pode e deve ser visto como uma referência direta àquele tempo em que, por não haver mais nenhum ouvido sadio, o pregador cristão teria que falar, contra tudo e contra todos, doesse em quem doesse, mesmo sob risco de morte. Todavia e contudo, o trecho mais decisivo e mais bem endereçado ao tempo do fim é aquele que Paulo, em uma de suas cartas, diz que “os homens se recusarão a dar ouvidos à verdade, sentindo “coceira nos ouvidos” (II Timóteo 4,3).

Ora; agora temos a obrigação de olhar para o mundo e ver que, ao contrário do que supunham os trechos citados, nunca houve um tempo em que os pregadores cristãos tivessem uma tal multidão incontável de ouvintes quanto agora na pós-modernidade, e em toda parte se encontram igrejas abarrotadas de fiéis e discípulos, num fenômeno que também cumpre outra profecia (Mt 24,9-12). E pior, tal fato aponta uma vertente arrepiante: “Se a profecia para o último profeta era a de que ele não encontraria ouvido algum para ouvi-lo, então quem serão estes que pregam para multidões?”… A única resposta cabível parece inevitável, quando olhamos para outra profecia: a dos falsos profetas!

Logo, está agora descortinado o portentoso cenário dos anos anteriores ao Apocalipse: igrejas apinhadas de gente ávida para ouvir o blá-blá-blá repetitivo dos pregadores pré-apocalípticos, talvez nem chegando a ouvi-los na essência de uma passagem direcionada pelo Espírito Santo, ou ouvindo só as músicas (para os falsos profetas, isto é suficiente!), e também sem despertar o menor interesse dos tais pregadores de multidões, que apenas estariam interessados em saber o que aquelas ovelhas (“Carneiros de Panúrgio”) ‘lhe dariam’ ao final do culto, em forma de lucro líquido. Eis uma descrição do quadro atual que, a rigor, pela lógica, não poupa ninguém.

Homem de Deus ungidoE mais: as exortações bíblicas para a pregação bombástica da verdade-doa-a-quem-doer trazem uma ênfase centrada numa espécie de “contagem regressiva para o fim do mundo”, isto é, que aquela verdade dura deveria ser pregada tanto mais quanto se aproximasse o fim, e isto seria/é uma exigência do próprio Deus para os raros profetas corajosos das antevésperas da parusia. A coisa é tão clara que está contida limpidamente no próprio Novo Testamento, como vemos em Pedro e no livro de Hebreus: “Temos, assim, tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vossos corações” (II Pedro 1,19); “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns, antes admoestemo-nos uns aos outros, e tanto mais, quanto vedes que vai se aproximando aquele dia” (Hebreus 10,25). Logo, esta exortação bate frontalmente na cabeça dos pregadores atuais… os quais, embora sabendo da coceira nos ouvidos do homem moderno, são chamados a baixar a lenha nos ouvidos sujos pelo pecado, e isto não exclui ninguém, nem mesmo os profetas! Ou seja: se até estes são admoestados pelo Senhor, quanto mais não deverão ser as ovelhas de hoje, que se sentem livres e soltas pela sedução da mídia, que as convenceu de que se por acaso existir um Deus, ele certamente jamais criou uma Lei Moral para tolher as liberdades da carne: “Este Deus moralista seria uma farsa, e ninguém tem o direito de dizer COMO devemos agir neste mundo!”…

Porquanto, diante deste quadro, cabe a imediata pergunta bíblica: “quem será o pregador que levanta os joelhos trôpegos e desperta ‘ó tu que dormes’? (Efésios 5,14) Ou quem será o servo fiel e prudente a quem o seu Senhor lhe confiou o sustento a seu tempo? (Lucas 12,42-44)”… E esta pergunta necessariamente aponta para 1 (um) homem ou para pouquíssimos homens! Na verdade, aponta para quem, tendo de há muito uma vida secreta com Deus-pai (Mateus 6,4; 6,6 e 6,18), perceberá em si uma impossibilidade frontal e flagrante de levar a verdade a qualquer lugar, mesmo às igrejas, e mesmo aos pastores! Isto será sempre uma experiência vívida e comprovada, com suor e sangue, ao longo de toda a vida consciente daquele homem, e só ele sofrerá com aquilo, enquanto não entender isso. Afinal, já não é de hoje que se sabe que ninguém quer mais ouvir ninguém!

Macaco com o dedo nos ouvidosAqui está a verdade. E ela é mais espinhosa do que as costas dos ouriços e a “pele” dos carrapichos! E quanto mais a individualizamos e apontamos para a sua incidência sobre os ombros de um único homem (isto é, quanto mais pareça exclusiva), mais ela parece falsa, já que todos nós e o mundo inteiro introjetou a auto-instrução ou a ‘autoridade própria’ de que ninguém pode ensinar o “modus vivendi” ou dar conselhos para a vida alheia, pois no mundo ninguém tem nada de melhor que o outro! (Só Jesus Cristo teria moral para exortar alguém, e, mesmo Ele, não se mostrou um moralista velhaco, que apontaria para alguém que comesse com as mãos sujas! “Isto nos basta”, diriam todos aqueles que fogem da Moral como o diabo foge da cruz).

Se tiver havido na história um Deus que escolheu uma única raça, ou um único povo eleito, ou pior, alguém que tenha sido ‘do agrado’ do coração de Deus, este Deus é injusto e corrupto, e não entende nada de democracia. Versos como I Samuel 13,14; Atos 13,22; Gênesis 6,8-9; Daniel 9,23; e a bomba: João 21,20-22, que devem ser lidos agora, seriam demonstrações de partidarismo e paternalismo de Deus, e assim incondizentes com a verdade de que o Senhor “não faz acepção de pessoas”! “Tem algo errado aqui”, pensariam todos. Eis porque o homem de Deus jamais poderia abrir a boca! Que morra calado!

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