A coisa mais difícil de engolir

(Ou “A parte de Deus dentro de um bandido”)

Heart blue pulseLewis disse, no início do cap. 9 do Tomo-3 do Livro “Mere Christianity”, que perdoar os nossos inimigos é um dever até mais difícil de engolir do que manter a castidade. Vamos analisar este símile de Lewis. Engolindo sapoAssim falou Lewis: “Eu disse no capítulo anterior que a castidade era a menos popular das virtudes cristãs. Mas não estou certo disso. Acredito que haja uma virtude ainda menos popular, expressa na regra cristã ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Porque, na moral cristã, ‘amar o próximo’ inclui “amar o inimigo”, o que nos impinge o odioso dever de perdoar os nossos inimigos”. O leitor verá a citação lendo o livro “Mere Christianity”, e pode fazê-lo NESTE link.

O mundo moderno tem nos oferecido diariamente uma série de reportagens com as piores cenas de crimes e atrocidades hediondas, que causam medo e revolta em qualquer um. Até cenas de bandidos estuprando crianças e matando filhos pequenos na frente dos pais têm sido exibidas sem qualquer censura, e tudo isso leva os cristãos, com razão, a imaginarem um tempo em que os sinais da chegada do antiCristo estejam sendo cumpridos, ao vivo e a cores. Pior, as cenas injetadas em horário nobre dentro dos lares indefesos não está causando apenas o terror óbvio de um mundo inseguro, mas está causando uma revolta tal que propõe a antevisão de uma nova era de barbárie, quando os cidadãos, reduzidos a meros espectadores da criminalidade, partam com unhas e dentes para fazer a tal justiça com as próprias mãos, e aí o caos vai reinar absoluto.

Caminhão de lixo em açãoE não sem razão, a maldade humana, seja ela como se manifestar, é algo revoltante, sem dúvida, e até a palavra de Deus nos explica que o homem de bem (o servo genuíno de Jesus), tem que sentir naturalmente profunda tristeza com a injustiça (o que equivale a odiar a crueldade) e sentir alegria somente com a verdade, por mais dura e contrária que seja! (I Coríntios 13,6). Veja então como este sentimento de revolta contra o mal é não apenas aceito como proposto pelos autores canônicos, tanto no Velho como no Novo Testamento:

No Salmo 26:5, a Bíblia diz que Deus odeia a súcia de malfeitores (súcia é “formação de quadrilha”, em linguagem atual) ou aquilo que esta Escola chamou de Conluio da Conspiração, ou de “A Grande Orquestração do Mal”. Mais adiante, no Salmo 101:3, o salmista diz que Deus odeia a conduta dos pervertidos, o que equivale a qualquer comportamento antissocial para a prática de crimes. O Salmo 119,113 mostra o salmista odiando a falsidade humana, como um dos pecados mais destrutivos da amizade e da convivência igualitária. Em seus Provérbios (6,16-19), Salomão desfila sete coisas que Deus odeia: presunção, mentira, morte de inocentes e outras maldades de quem acatou livremente a sugestão de viver a sua vida em conformidade com as instruções de satanás. O autor de Hebreus, no Novo Testamento, diz que uma das credenciais de Jesus enaltecidas por Deus foi justamente esta: “amaste a justiça e odiaste a iniqüidade, e por isso o Senhor te ungiu”. Finalmente, o profeta Amós diz, nos versos 14 e 15 do capítulo 5 de seu livro, que Deus nos pediu literalmente: “Buscai o bem e não o mal, para que vivais: e assim o Senhor, o Deus dos exércitos, estará convosco. Odiai o mal e amai o bem, e estabelecei isto na porta de vossos tribunais”.

Ora; tudo isso está sendo posto às nossas vistas para que o leitor veja como o sentimento de revolta contra o mal é divino e aprovado por Deus, e que eu, você e nós todos detestarmos a crueldade é algo válido e louvável, sendo até estimulado por Deus em sua Santa Palavra. Este é o fato. Esta é a verdade. Porém, agora cheguemos ao seu reverso, com coragem.

BarataJesus disse que deveríamos AMAR os nossos inimigos, e aqueles que desejam o mal para nós. Ou seja: que desejar o bem para qualquer criminoso que nos assalte, e também para aquela figura odiosa que trabalha para a nossa infelicidade, é a pedida e a sugestão de Jesus. Aliás, O mandamento, que Ele chamou de “novo”, por incluir no ‘amor ao próximo’ os nossos inimigos e algozes. Pior, Ele nos revelou que o Reino de Deus está dentro de nós, e nos proibiu de JULGAR o próximo. Assim, com isso, deixou claro que ninguém pode conhecer ninguém em profundidade, porque somente Deus pode ver o coração.

Isto posto, se nosso ódio deve ser ao crime e não ao criminoso (como se diz, “odiarmos ao pecado e amarmos ao pecador”), porque DENTRO de cada um de nós está o Reino de Deus ou ‘uma centelha’ dele, então a coisa mais difícil de engolir ou a coisa mais difícil que Deus nos pede para engolir é a prática deste amor que, no meio do sofrimento de um estupro ou do assassinato presencial de um familiar nosso, nos faça lembrar que DENTRO daquele bandido também pulsa um coração divino, e em seu peito também está a presença de Deus, de seu Reino e suas bênçãos! Terrível verdade e duro discurso! E pior, ninguém (ouso afirmar), ninguém no mundo, tem o coração tão benigno que se lembre do coração divino do malfeitor na hora da maldade contra nós, e assim vamos nos lambuzando no ódio autoalimentado pela dor, e ao final perdemos toda a nossa audição para com a verdade revelada por Jesus. Não é à-toa que Ele nos chamou de cegos e surdos.

galinh15No Grande Juízo Final de Deus (Mateus 25,31-46), realizado após a parusia de Jesus, o Senhor reunirá os “bodes” à sua esquerda e os carneiros à sua direita, e dirá para ambos: “Todas as vezes que fizestes o bem ou o mal aos seus semelhantes, era a mim que o fazias”, deixando claro que Ele não distingue ninguém no quesito “Deus presente no coração”. A quem quer que bem tratemos ou mal tratemos, estaremos fazendo isso a Deus. É duro. Agora ficou claro que precisamos de uma drástica mudança em nossa visão do Reino de Deus, antes que seja tarde demais, e sejamos “para sempre incrustrados num universo de puro ódio”, como disse CS Lewis. Como a Humanidade já caminhou bilhões de quilômetros no mal caminho, e já está nela há tantos milênios, o remédio poderá não fazer mais efeito, e somente uma longa peregrinação no fogo do Purgatório poderá lavar-nos de todo.

Resta-nos orar para que a bondade de Deus finalmente nos alcance, se é que saberemos orar com o coração impuro. Temos que buscar a santidade, sem a qual ninguém verá o Senhor. Temos que pedir sempre aquilo que nos pede a Igreja: “Senhor, tende piedade de nós; Cristo tende piedade de nós”. Que as orações dos santos, vivos e mortos, nos comunguem favor e Graça, antes que a Alvorada eterna comece e nós não consigamos enxergá-la como luz.

Esta entrada foi publicada em Arte de Desaprender. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *