O que Jesus foi fazer num presídio?

A enigmática Teologia do Vicariato nos obriga a encontrar Jesus dentro da prisão, pagando pena junto com criminosos perigosos, e não apenas pregando aos espíritos encarcerados…

grades-cheiasNo impressionante trecho onde explica o Juízo Final (Mateus 26,31-46), Jesus usa uma frase pequena no número de letras, mas gigantesca em significado, mesmo para quem não goste muito de pensar, ou mesmo que pense com ceticismo. Foi quando disse simplesmente: “Eu estive preso e fostes me visitar” (verso 36). Eis aí o cúmulo do vicariato, i.e., a teologia que defende a substituição do pecador por Cristo, o justo pagando pelos injustos.

É tão profunda a hermenêutica do trecho que certamente caberia escrever um livro inteiro (e acho que já o fizeram) e não se encontraria nada redundante, repetitivo ou enfadonho nele. Com toda certeza, centenas de boas mentes já se debruçaram sobre o assunto e jamais deve ter havido um tempo em que teólogos cristãos não o analisaram e pregaram, tal a eloquência de suas implicações teológicas. Quanto a nós, vejamos quais pontos nos inquietam para uma análise mais cuidadosa:

(1) Jesus “era” (é) santo e jamais seria preso, exceto por um tribunal injusto.
(2) Jesus “era” (é) santo e jamais merecia ser preso, sob qualquer ponto de vista.
(3) Jesus visitou e visita diariamente, os encarcerados de todas as prisões do mundo.

CF 1997(4) Jesus visitou e visita diariamente, os encarcerados da prisão invisível das almas, o ‘Vale da Sombra da Morte’ (Salmo 23), também chamado “Purgatório”.
(5) Jesus visitou e visita diariamente, os encarcerados de si mesmos, almas psicóticas, lunáticas, doentias.
(6) Jesus está sempre dentro de cada um de nós, o que não deixa de ser, para a liberdade onipresente dEle, uma prisão.
(7) Estando dentro de nós, sem distinção (como provam os pecadores dos presídios que o trecho cita), Ele estará também dentro das prisões que experimentarmos na vida, inclusive nos presídios de segurança máxima, onde cumprem pena os piores bandidos.
(8) Se Ele também está nos presídios, então nossa evangelização jamais deveria desviar sua atenção dos presos, pois no meio deles provavelmente se encontram as almas mais certamente arrependidas e melhores de salvar, e o Cristo interior delas estará mais perto de completar a sua obra redentora.
(9) Se Ele está nos presídios e pede visita, Ele também foi maculado pelos pecados dos presidiários, e por isso ao pregar para presos, devemos fazê-lo como se pregássemos a Cristo.

Jesus atrás das grades-3Esta Teologia não se esgota aqui, nestes pontos acima elencados. Ficaremos com eles, porém, para fechar um artigo bastante resumido, no padrão “revista” (todas as pregações, seriam, ao final, pregar ao Cristo que está “no meio de nós” – dentro das almas – ou para “despertá-LO” nas ovelhas pecadoras, metafórica e tecnicamente falando).

Com efeito, como entender que Cristo esteja DENTRO de um criminoso comum, assassino de crianças e estuprador, quando o Novo Testamento diz que “não pode haver qualquer união entre a luz e as trevas”?, e também que “não pode a mesma fonte jorrar água doce e salgada ao mesmo tempo” (pior, se ao nos unirmos a Jesus formamos um só espírito com Ele – e Paulo diz que por isso não devemos nos unir a uma prostituta, para não fazermos de nosso braços e pernas membros de uma meretriz), como pode Cristo estar no coração de um bandido e não formar um só espírito com ele? Como entender esta esdrúxula e espúria relação? Pior: o perdão infinito pedido no Sermão da Montanha induz esta mesma conclusão, pois o único modo de perdoarmos aquele que matar um filho nosso é lembrando que dentro dele também está o Cristo, e nosso perdão seria dado por Jesus e a Jesus, e não àquele monstro miserável!

Os céticos retrucam: “não seria muito mais lógico supor que DENTRO de um bandido moraria satanás, e não Cristo? E não foi isso justamente o que Jesus disse quando estava conversando com os apóstolos e Judas se aproximou (“vamos-nos daqui, pois o príncipe deste mundo já vem vindo”)… Pensando alto, a pergunta seria: “Então quer dizer que a moradia da alma – ‘na casa de meu pai tem muitas moradas’ – é uma coisa compartilhada até com os anjos maus, dentro de um mesmo coração?”…

Como vemos, é tão complexo tal raciocínio que nem mesmo a explicação dada por CS Lewis a explica por inteiro (Lewis disse, no “Cartas a uma senhora americana”, que em nossa mente há uma espécie de “rádio”, com sintonia livre, na qual podemos ouvir, a todo instante, tanto a nossa própria consciência, quanto a voz de Deus e as sugestões do Maligno – sobretudo quando já avançamos mais a fundo na teologia e na vida espiritual, que é quando o rádio já recebeu “afinação” suficiente para distinguir melhor – ou pior – as estações capturadas por suas “antenas anímicas”). Porquanto “um mero rádio” explicaria A PRESENÇA REAL de Jesus em nós? Explicaria a presença real do Maligno na mente de um assassino de crianças? A única resposta é um sonoro “não sabemos”.

Se apostarmos na hipótese da “possessão total” da alma nesta vida tridimensional, então a possibilidade de confronto com uma contradição bíblica é grande, porque nem salvos estão 100% possuídos de Jesus, nem os possessos estão 100% possuídos por satanás (os 100% só ocorrem no Inferno, ou ‘Lago de Fogo’, que só será inaugurado após o Juízo Final). Eis porque devemos avançar e olhar com mais carinho o parágrafo seguinte…

O que Jesus foi fazer num presídio ETSe apostarmos na hipótese do “mero rádio” (para mim, a mais provável), então teremos que rever todos os casos de possessão com outros olhos, muito mais misericordiosos, do que os vemos na hora em que julgamos o nosso próximo! Ninguém, afinal, estaria tão possesso neste mundo que não mais houvesse espaço para Jesus, e tal estado terminal só ocorreria no inferno após o Juízo, como já dissemos. Temos que ver todo criminoso e todo possesso como nosso “irmão”, ou como uma infeliz alma que merece toda a nossa misericórdia, tal como Dr. ER sentiu ao ouvir em Perelandra, vez por outra, algum choro misturado nas palavras de Weston, e chegando a pensar que estava diante não de um “demônio”, mas de um ex-professor brilhante de Física, que ora reaparecia ora sumia naquele seu deplorável estado (óbvio que alcançado por culpa dele, como resultado de mau uso do Livre-arbítrio dado a todos nós). Difícil é excluir o uso do rádio pelo Maligno naquela mente, como estopim de um processo que, ao ser alimentado pela sedução do pecado, caminha para a anulação total da vontade individual, culminando com a mistura destrutiva da alma, perdida na vontade de satanás (este estágio é o fim da pessoa, só alcançado no Lago de Fogo). Todavia, numa pessoa normal, o rádio é apenas rádio, e a alma controla muito bem as seduções exteriores, por assim dizer, nos “bem-aventurados virgens*” em que a Escritura diz “o maligno não lhe toca”.

Finalmente, uma conclusão pungente se apresenta a nós agora: não incluir uma pastoral carcerária nos nossos planos de evangelização é uma omissão tão violenta que pode ser comparada a um crime contra a Humanidade. Saber que abandonamos à própria sorte (por medo, preguiça ou ignorância metodológica) almas cujo pecado as levou para as grades, deveria ser uma acusação tão dolorosa que não nos deixasse dormir! Quanto mais quando nos lembramos que tal omissão abandonou o próprio Cristo à solidão da prisão, como fizeram os apóstolos na via sacra, levando Pedro ao copioso pranto que ainda hoje ecoa em suas indesejáveis lembranças! Deus nos livre de tal pecado e nos dê a paz de uma consciência sem dívidas.

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(*) – Discuto o conceito de VIRGEM no livro “Radiografia de Maria”. O vocábulo aqui quer dizer o mesmo que lá, ou seja, “alguém cuja maldade ainda não penetrou e não penetra no coração, embora seu corpo já possa ter sido penetrado de diversos modos”.

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