Só Lewis explicou bem as coisas no mundo pós ressurreição

O encontro de Jesus na Terra com os homens maus gerou em seu corpo humano marcas profundas da maldade que deveria ser apagada de imediato com a Ressurreição. Mas Jesus as deixou em seu corpo glorioso pelas razões que exporemos aqui.

Philip Yancey, em seu livro “Deus Sabe que Sofremos”, explicou com maestria o encontro inefável das almas salvas com o Cristo ressurreto no primeiro dia da chegada ao Paraíso: Yancey diz que Cristo nos mostrará a marca dos cravos e a cicatriz no lado direito do peito, por onde o soldado romano lhe enfiou a lança “comprobatória” da morte na cruz. Este foi o melhor momento daquele livro magistral, e seu argumento foi como que “moldado desde a pré eternidade para corroborar e complementar o raciocínio de CS Lewis”.

Porém e entretanto, é na leitura dos livros de CS Lewis que iremos ter uma visão maior e mais precisa da razão de Jesus manter em seu corpo – perfeitamente reconstruído pela ressurreição – as marcas e cicatrizes da via dolorosa, sem qualquer razão lógica do seu “processo reconstrutivo” (que evidentemente não deixaria marca nenhuma, se assim Ele o quisesse) e com uma razão didático-teológica crucial e indispensável para as almas ingressantes no seu Reino. Neste sentido, seria bom o leitor ler ou reler o nosso artigo sobre a ressurreição dos corpos NESTE link, para fixar na mente algum conhecimento do complicadíssimo processo ressurrecional, “a viagem do vento à matéria e da matéria fluídica à matéria sólida”, que Lewis expôs tanto em teoria (como no livro “Milagres”) quanto na prática, como no seu livro “The great divorce” (“O grande abismo”).

Com efeito, o Criador já tinha demonstrado que Ele também possui um “estilo criativo”, à semelhança do que ocorre com todo artista criador de obras culturais, do qual jamais quis “fugir”, e com o qual concluiu ser de muito maior valor didático a sua manutenção “involuntária” em si mesmo, do que operar uma ruptura forçada de sua própria característica intrínseca, por mero exercício de seu poder onipotente. Noutras palavras, a onipotência em Deus poderia muito bem operar a Ressurreição de Seu Filho Jesus, digamos, de modo perfeccionista (isto é, sem que nenhum sinal da experiência tridimensional do corpo de Cristo se mantivesse após sua volta dos mortos, fazendo-O ressurgir “límpido e intacto” em 100% de seu corpo, como se este nunca tivesse sofrido qualquer avaria em sua passagem histórica terrestre). Mas não o fez.

Ao contrário, em sua própria Ressurreição, Ele decidiu livremente (por amor das nossas almas e utilizando a didática manutenção das marcas do sofrimento) mostrar as suas cicatrizes aos nossos olhos, sabendo da dificuldade de muitos pecadores de identificá-LO na chegada ao Paraíso, uma vez que as almas perdidas não apenas conheciam todo o poder disfarçatório do inimigo, como também que não teriam ainda a mesma “lucidez multidimensional” para olhar e enxergar com perfeição todo o novíssimo ambiente celestial, como se estivessem acordando meio trôpegos de um pesadelo distante. Mas afinal, o que ocorre de fato numa ressurreição verdadeira?

Vejamos: “Após virarem ‘sólidos’, as almas terão automaticamente seus corpos refeitos por via da transmagnetização ressurrecional*, e esta ‘apaga’ instantaneamente todas as marcas do corpo, inclusive alguns ‘sinais malignos’ de nascença. Com isto, almas ‘novatas’ que esperavam reconhecer seus corpos por via de tatuagens e outros sinais, ficarão extremamente confusas para identificarem a si mesmas, precisando então crer ‘cegamente’ nos ‘enviados de Jesus’ para entender que sua ressurreição eliminou todas as marcas que o pecado deixou. Eis porque todos nós devemos ‘viciar’ nosso olhar a gostar e amar nosso corpo tal como ele é de nascença, pois a ressurreição nos trará o ‘velho’ corpo de volta, porém límpido de tudo aquilo que fizemos para modificá-lo”.

Todavia há quem pense, e com razão, que todo o processo “reformador” da ressurreição não apagará NENHUMA das marcas que nosso velho corpo trazia, tanto as boas quanto as más, uma vez que as primeiras servirão para expor, involuntariamente, as virtudes que transcenderam naqueles sinais (como as marcas das chagas que o corpo de São Francisco apresentava), e as últimas servirão para expor, “quase a contragosto de sua vítima”, os terríveis efeitos deixados pelo pecado, no tempo em que tais almas habitavam a carne em três dimensões. O próprio Jesus, após ressurreto, apresentou as marcas dos cravos da crucificação, e as mostrará de novo para todos nós antes do Juízo Final. Aqui está um labirinto de ideias que precisamos ter maturidade espiritual excepcional para dar um parecer conclusivo, se é que isto é possível perante o mistério das “operações” de Deus.

Sei que aqui cabe a pergunta: “Se as cicatrizes de Cristo servirão para a divina pedagogia do perigo do pecado, as cicatrizes dos homens não serviriam para que eles mesmos tivessem em si mesmos, para todo o sempre, uma lembrança ao mesmo tempo perturbadora e humildecedora –  positivamente falando – e ao mesmo tempo comprovadora da segurança supradimensional garantida por Deus?”… A única resposta é a de Lewis: Aparentemente Deus julgou melhor deixar as suas próprias cicatrizes em Cristo e apagar as nossas, pois o galardão da perfeição não pode conter imperfeições em quem foi imperfeito, mas pode manter sinais de imperfeição em quem nunca foi imperfeito.

Isto traz à nossa lembrança aquele tipo de marca que não é cicatriz, e que não foram adicionadas ao corpo por agressão de terceiros. Refiro-me a marcas como as tatuagens e furos de piercings e outras tidas por indeléveis na pele humana. Isto é, marcas também produzidas pelo pecado na alma humana, mas não produzidas por agressões, acidentes ou violência física. Como Deus as tratará, ou como restarão após a ressurreição?

Há duas hipóteses fortes aqui:

(1) Por um lado, tudo leva a crer que essas marcas voluntárias do pecado desaparecerão com a ressurreição, e as almas que as imprimiram em si não se reconhecerão de imediato após o processo, pois sempre lhes parecerá muito mais rápido procurar as tatuagens em seus corpos (cujos locais enxergavam 24 horas por dia quando estavam vivos na terceira dimensão) do que “entender” bem os seus próprios rostos ressurretos, que espelharão uma luz, uma “luminescência”, que nunca viram;

(2) Por outro lado, as marcas das tatuagens também carregam forte conteúdo didático, pois quem as possui sempre poderá ser um santo que irá explicar porque as tatuagens são malignas, e porque agridem a obra criadora de Deus, que nunca planejou corpos para serem pintados sem os planos e cores das pranchetas celestiais que só a ressurreição produz.

Isto posto, então no Reino de Deus encontraremos ressurretos que chegarão até nós com seus corpos sólidos 100% límpidos e até com alvuras tão estelares que queimariam os olhos terrestres, e também encontraremos ressurretos que chegarão até nós com corpos marcados por sua experiência terrestre, algumas das quais involuntárias – como as cicatrizes de um mártir – e outras outrora voluntárias, da época em que o pecado os levou a querer “modificar” o corpo terrestre que Deus idealizou para eles.

Todavia, há um aspecto maior nesta questão toda que não pode ser deixado de lado aqui. É a questão da real validade dos corpos tridimensionais humanos, uma vez que a Teologia Profunda** defende que, no fundo no fundo e a rigor, os corpos físicos nos foram dados por Deus apenas como veículos para a presença das almas na Terceira Dimensão, que é o palco ideal da avaliação moral de cada ser humano na história da criação. Logo, se os corpos humanos eram apenas veículos, por que se importar que tenhamos riscado ou adesivado esses “carros temporários”?

O problema é que, assim como a ressurreição é um processo dinâmico e complicado para a mente humana captar, a entrada e adequação das almas aos corpos tridimensionais também escapa à compreensão da maioria dos cérebros mortais, e por isso a Teologia Profunda tem que ser consultada uma vez mais.

As almas humanas, quando “fabricadas” por Deus e desligadas do “laboratório da criação”, possuem uma forma semelhante à descrita no início do livro do Gênesis acerca do planeta Terra, que Moisés descreveu como uma entidade “sem forma e vazia”, e na qual o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Assim sendo, se as almas eram amorfas ou polimorfas antes de habitarem a terceira dimensão, Deus planejou sua forma final para assumir o “contorno” dos corpos físicos que seus pais lhes herdariam, de tal maneira que, embora amorfas na essência, ganhariam uma “fisionomia corporal” a partir da lenta e inexorável adequação anímica ao “molde tridimensional” do corpo, produzido pela fecundação e gestação do bebê filho de seus pais.

Neste caso então, ninguém pode negar, os corpos ganham certa importância, até porque Cristo assumiu um corpo humano e passou a se identificar – para nós e para o universo inteiro – com este corpo moldado a partir do corpo de Maria (o Corpo dEle não teve “elementos de moldagem” do corpo de José, pois José nunca participou da concepção de Jesus), elevando os corpos humanos à categoria inefável da realeza de Deus! Eis porque a Virgem também ganhou categoria inefável da realeza celestial, pois foi o corpo dela que “moldou” a fisionomia eterna de Cristo. Eis porque chamar a Virgem de “Rainha” não é apenas um louvor vazio, mas a pura constatação de um fato concreto dos milagres de Deus. E eis porque a Virgem nunca perdeu seu posto diante de Deus, porque, embora o tempo físico dela tenha passado, a eternidade do corpo de Jesus sempre refletirá o corpo de Maria, a quem Ele decidiu voluntariamente escolher como mãe.

Com efeito, o que decidir diante de tudo isso? Afinal, os corpos podem ser levados em baixa consideração ou não? Bem; aqui nós vimos qual é o valor intrínseco dos corpos físicos humanos. Eles são o molde da alma que neles habita, e cuja fisionomia perfará o rosto e a identificação que eles terão quando deixarem a terceira dimensão e se tornarem sólidos de verdade. Porém fica claro que o valor dos corpos físicos não está neles, em si, mas naquilo que produzirão na eternidade; porquanto toda a matéria será aniquilada com a morte física de cada indivíduo e do planeta inteiro, e, portanto, se algo será destruído, teoricamente não teria valor algum. O que vale é o eterno, ou, “as coisas do alto, onde nem a traça nem a ferrugem corrompem”.

Inobstante, como na eternidade o tempo não possui a sequência precária de passado, presente e futuro que a Terra possui, e no Reino de Deus vigora o eterno PRESENTE multidimensional, então os corpos a rigor nunca foram destruídos e se mantêm visíveis aos olhos de Deus, que tudo enxerga e para quem o passado, o presente e o futuro estão eternamente acessíveis. Então é aqui que os corpos guardam sua importância, embora, na história futura da eternidade, nunca virão participar de nada, tal como todas as coisas “desaparecidas” no passado terrestre. O fato de uma coisa está viva na memória concreta de Deus, não significa que a coisa em si tenha concretude.

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LEGENDA:
(*) – “Transmagnetização Ressurrecional” não é uma expressão muito boa, mas dada a complexidade do assunto que evoca, pode ser a única que nos resta à luz do que Lewis explicou sobre magnetismo.
(**) – Por “Teologia Profunda” entenda-se o pensamento completo de C.S. Lewis, cujo resumo ultra sintético encontra-se neste site (https://www.e-a-t.info/purismo-lewisiano/).
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