Judas Iscariotes: uma hipótese plausível permanece

Teria a mentalidade cristã da igreja primitiva colocado Judas convenientemente como traidor, ou a traição de Judas foi apenas mais um ato macabro do chamado “Mistério da Iniqüidade”?

Judas e a imagem do remorsoA leitura dos chamados evangelhos apócrifos, como qualquer outra leitura (com a ressalva da necessidade da maturidade espiritual e do discernimento de espíritos), nunca poderá ser encarada como perigosa ou perniciosa para a educação cristã, seja numa Escola Dominical, num seminário teológico ou na cabeceira de um quarto de dormir. É evidente que a Palavra de Deus, deixada abandonada à própria sorte da malícia humana, jamais resistiria ao bombardeio de contra-informações e distorções que o diabo levantaria contra ela, como a própria Medicina oferece os mais vívidos exemplos dessa verdade.

Ora; se ninguém pode ter uma informação 100% segura em relação à saúde em geral e nem em relação às doenças que acometem cada um de nós, e se nem mesmo os médicos têm 100% de segurança, quanto mais não estará em nós insegura a informação acerca da saúde espiritual das almas da Terra, dominada por um médico espiritual lúgubre e interessado na desgraça humana!?… O problema é que todo o nosso planeta perdeu a confiabilidade! E a Bíblia, por conseguinte, foi levada de roldão no turbilhão de incertezas de um planeta desgovernado, fadado à extinção do ser e do existir! A própria história bíblica oficial, não fosse a mão zelosa, cuidadosa e maternal da Igreja, iria exibir capítulos indigestos, pois poucos de nós – ou ninguém – iria afiançar um centavo sequer nas memórias longínquas de personagens perdidos no tempo, cujos nomes foram “habilmente” (Lucas 16,8) trocados para dar alguma credibilidade às tradições orais de “presumíveis” testemunhas oculares.

E mais: a Igreja, “bendita e santa mãe da Esperança” (e a rigor, única salvaguarda da sanidade mental da Humanidade), percebendo a enxurrada de “evangelhos” escritos para falar sobre aquele “estranho personagem que ‘sumiu’ do túmulo”, decidiu – em consenso até certo ponto “forçado” – abonar ou oficializar apenas 4 (quatro) relatos da passagem de Jesus, ou 4 “livros de memórias”, julgando mais coerentes e condizentes com a “Lógica da Esperança”. Assim sendo, urge explicar esta lógica agora:

RessurcruzCristo é a única esperança para a Humanidade perdida! Sem aquele Jesus de Nazaré que nasceu de uma virgem, pregou o amor e ressuscitou ao terceiro dia, toda a História humana perde o sentido, e o próprio universo se constituiria num absurdo encravado em mil outros absurdos, perdendo toda a razão do próprio verbo existir. Isto é: se Jesus não existisse, ou se jamais tivesse vindo à Terra, toda a vida humana poderia ser encarada como um ingrato jogo de roleta russa do universo, que se iludira consigo mesmo, tentando achar fôlego para respirar num paraíso de pureza e perfeição. Seria como se o universo, que conseguiu a duras penas chegar a formar seres pensantes como nós, ao final simplesmente se despedisse e nos dissesse: “bem, vocês já viram o que seria uma existência; então agora podem voltar à inexistência”. É aquela antiga história de nadar nadar e morrer na praia.

Quem alterou este drama real da existência? Quem modificou todo este “status quo” da desesperança? Somente Jesus Cristo. Nem Buda, nem Confúcio, nem Zoroastro, nem Zeus, nem Enki nem Enlil, nem qualquer outro grande personagem da História, trouxe uma realidade que transcende a vida biológica e dá sentido concreto a uma vida além ou no Além, e por isso a Igreja, sábia como nunca ninguém jamais foi, intuiu com inacreditável altruísmo que, se aquele Jesus de Nazaré (talvez antevisto em sonhos) nunca tivesse chegado a existir, toda a infelicidade humana seria ainda pior, pois a própria vida seria uma crueldade em si mesma, ou seria apenas a maldade pela maldade. Ou seja: a infelicidade do mero fato do existir humano tenderia – e de fato o faz – a acabar até com a lógica da existência de Deus, pois este seria então ou um deus cruel (capaz de criar seres apenas para maltratá-los), ou um deus bom mas impotente, tipo frustrante, imaginário, inexistente, já que um ser benigno jamais aceitaria criar seres vivos apenas para maltratá-los.

Enfim, vendo tudo isso, a sábia mãe-Igreja entrou em cena com todo gás, tomou o único lugar onde ela seria 100% útil e salvífica, e assumiu para si todo o ônus de assegurar que a História (até então estória) de um Deus infinito que se transforma em homem de carne e osso e morre entre nós ficasse preservada nos papiros e velhas folhas de pele de carneiro, como se dissesse: “esta história é tão útil para a saúde mental e espiritual da humanidade que, mesmo que no futuro se prove ser um embuste das memórias falhas dessa gente, ainda assim ela deve existir, ou ter o seu lugar no meio dos registros humanos, COMO ÚLTIMA TERAPIA PARA A DESESPERANÇA”. Cabe aqui o pensamento: “Se Jesus jamais tivesse existido, alguém teria que inventá-LO, pois sua ausência deixa uma lacuna impreenchível na História deste planeta”.

bible_crucifix_lg_clrE isto faz sentido em todos os sentidos, e vai além, pois a passagem de Jesus pelo mundo e toda a sua teologia são tão lógicas que nem chegam a necessitar da Bíblia para erigir-se e firmar-se como verdade; e assim qualquer alma humana, sedenta de conhecer o outro lado e impulsionada por sua angústia de solidão, encontraria senão a mesma história, mas um estranho conto persistente entre sua lucidez diurna e seus sonhos noturnos, capaz de fazê-lo recitar a saga de um Deus assassinado pela maldade humana em poesia, ou mesmo o abraço do Pai em uma estranha canção subconsciente.

Logo, voltemos ao papel infinitamente divinal da Igreja no mundo. Foi ela quem selecionou os ditos “evangelhos” para a posteridade guardar como jóia preciosa da Esperança. Foi ela quem viu, pela primeira vez, a coerência interna dos chamados evangelhos canônicos, única que deixava o Cristo em relevo e a salvação da Humanidade assegurada, contra todas as vozes discordantes da época ou céticas de agora, escolhendo as palavras exatas de Jesus e as passagens mais relevantes de seu exemplo de vida, exemplo que iria ajudar a salvar aqueles que acreditassem nele e o imitassem.

Judas e o beijo desenhadoEntão vem a pergunta: Como a Igreja selecionou a história de Judas Iscariotes? Ou pior: por que cargas d’água a Igreja desprezou o evangelho escrito pelo próprio Judas? Ora; assim como os chamados evangelhos canônicos podem não ter sido escritos pelos homens cujo nome herdaram, o de Judas também não deve ter sido escrito por ele e muito menos pelos seus seguidores, e assim a escolha da Igreja foi tão somente ideológica, ou lógica, juntando as pedras do quebra-cabeças da salvação e intuindo sobre QUAL papel se ajustaria melhor à figura do tesoureiro dos apóstolos.

Ora; a Missão do Cristo era bem definida: assumir a natureza humana e resgatá-la, num modo resumidíssimo de dizer. O resgate precisava salvar as almas humanas do caos mental e espiritual em que haviam caído, juntando os cacos das personalidades fendidas pelo vício e pelo pecado. E esta tarefa, a rigor, não precisava de longo tempo para surtir efeito, até porque a maior parte dela iria ocorrer no ambiente post mortem, quando Jesus tivesse descido ao – ou estivesse no – Hades e lá conseguisse “conquistar” os rebeldes que O haviam rejeitado durante a vida inteira. Estas duas partes, a conversão pelo arrependimento na terra, e a conquista dos fantasmas rebeldes, perfazia tudo o que Deus precisava fazer, se quisesse ter de volta as almas perdidas.

Então, adiantando o raciocínio e antevendo tudo isso:

(1) Jesus pode ter intuído que não haveria a menor necessidade de Ele chegar um dia a envelhecer entre nós, tornando-se um velho barbado e bondoso a contar histórias do Paraíso (mas mesmo assim visto como um incômodo ou um estorvo para muitas pessoas). Ele certamente também viu que sua ida mais urgente ao Hades lhe daria um tempo maior para realizar outros resgates em outros lugares, já que Ele mesmo disse possuir outras ovelhas que também necessitavam de pastor (João 10,16), talvez até em outros planetas! (Não que Ele não tivesse tempo, mas que o tempo exato, o momento oportuno e o dia da salvação, talvez chegassem num ponto-X do tempo de cada planeta, e Ele não podia chegar lá num outro dia!).

(2) Jesus pode ter começado a sentir em si os problemas decorrentes da área da saúde* – pasmem! – ou da área trabalhista** (para espanto nosso), como explicaremos a seguir, e por isso pode ter pedido a Judas para “acelerar” o Seu sacrifício, antecipando a crucificação em anos ou décadas!: [*Na saúde: o cansaço bateria mais forte, e o corpo já não responderia à altura das necessidades de sua árdua missão, e assim Ele precisaria estar sempre usando ou reivindicando a sua natureza divina para evitar contratempos. Os ossos já estariam “pesando” em peneplanícies e os músculos já doíam em grandes subidas íngremes, sem falar de problemas na respiração e na circulação sanguínea: todos efeitos naturais do envelhecimento, que o milagre da Encarnação não eliminaria pela lógica de aderir integralmente à natureza humana tridimensional. – **Na área trabalhista: Ele precisaria e de fato precisou diminuir muito a sua carga de trabalho secular – para dar conta da missão evangelizatória – e assim, por via “menos honrosa”, deve ter sido até certo ponto “sustentado” por mulheres, mulheres que O amavam, dentre elas Maria Madalena (de onde talvez ninguém soubesse direito a origem do dinheiro dela, segundo alguns historiadores católicos e evangelhos apócrifos)].

Enfim, analisando a situação toda, e tendo uma amizade profunda com Judas (até ao ponto de confiar a ele a guarda das finanças do grupo), pode ter estremecido em seu coração e com isso intuiu que a única maneira de antecipar sua morte, seria provocar a ira dos sacerdotes judeus. E pior, após todos os casos em que estes se irritaram com Ele, o Nazareno via que eles se demoravam em vir atrás dele, talvez querendo dar um tempo para ver se o movimento arrefecia as energias. Como Jesus sabia que as suas próprias energias iriam arrefecer com o tempo, pediu a Judas (em particular e ao pé do ouvido) que apressasse a sua entrega à morte; e só pediu isso a Judas, não porque ele fosse o pior dos apóstolos, ou o pior dos traidores, mas justamente pelo contrário: porque somente Judas seria capaz de entendê-LO, o que nos leva a ver em Judas uma espiritualidade muito maior que a dos outros discípulos (pelo menos muito maior do que Pedro, que quis até impedir Cristo de ir à cruz!). Judas então, obediente como sempre, correu e contou aos sacerdotes onde iria estar Jesus à noite.

Judas Iscariotes como santoSei que todos vão se perguntar: se Judas era tão bom, por que se suicidou? Há duas respostas a considerar aqui. Primeiro, o suicídio de Judas parece não ter sido corroborado por alguns evangelhos apócrifos, e até historiadores como Flávio Josefo traz uma narrativa típica de uma pós-leitura dos evangelhos hoje tidos como canônicos. Segundo, nem todos os suicídios são, por assim dizer, um ato cruel ou tresloucado, e é por isso que a Santa Igreja hoje em dia não julga presentes no inferno nem mesmo quem tirou a própria vida. Um suicídio de alguém cuja morte salvaria outros, pode ser até um ato louvável, por assim dizer. Um suicídio em Judas, pelo menos, traria a lição 100% didática de que ninguém deve TRAIR a confiança de Deus, pois Deus não se deixa enrolar. Já um suicídio de alguém que se mata com uma bomba no peito dentro de um trem lotado perde todo o caráter louvável de uma obra para Deus, porque levou muitas outras pessoas consigo e tornou seu ato um mero assassinato em obediência a uma religião ou a um estranho deus (mas nem mesmo neste caso se pode dizer que o suicida está no inferno, pois havia um soldado idólatra de Tasha que Aslam recebeu em seu Reino com honras, porque sabia que sua devoção ao inimigo no fundo era uma confusão de identidades, e ele na verdade era um nobre seguidor da Aslam! – quem não se lembra desse episódio no último livro das Crônicas de Nárnia?).

Finalmente, cremos que a história de Judas pode deixar em todos nós um salutar ponto de interrogação para Deus responder no dia do Juízo: estará Judas entre nós os salvos benditos do Senhor e ele será uma das surpresas de que falava Ezequiel 31,14? Ou prevalecerá a lógica da velha igreja, que não perdoa um suicida? Será dito de Judas que ele é maldito porque traiu Jesus, ou será apresentado um senhor Judas, humilde e sábio, que levou o Cristo à cruz e ao Hades? Não sabemos mesmo. É um mistério profundo de Deus e das Escrituras; ou então, se comungamos da mesma fé dos apóstolos, é apenas o Mistério da Iniquidade, que operou em Judas e ainda hoje nos impede de ver a verdade. O leitor decide na sua santa paz.

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