Por que alguns pregam com raiva?

Deixar de ouvir ou dar razão a alguém pelo simples fato de constatar revolta ou grossura em suas palavras, pode ser a mais nefasta forma de injustiça espiritual, com sério prejuízo à salvação das almas.

Pq pregamos Minister_shoutsA exemplo de nomes ilustres como o do ministro Joaquim Barbosa, temos visto diversos pregadores da Palavra de Deus angariarem antipatias e surdez voluntária por conta de seu jeito “violento” de falar, demonstrando estar revoltado ou raivoso com seus ouvintes; os quais, a rigor, nada têm a ver com o motivo da irritação, e sofrem a injustiça da situação ou somente a toleram por absoluta necessidade da informação. Um exemplo clássico deste fenômeno no meio evangélico é o do pastor Silas Malafaia, homem cuja palavra é preciosa para estes tempos de pregações chochas, permissivas ou voltadas exclusivamente para o bolso dos ouvintes.

Ipso facto, assim como o nosso país precisa desesperadamente de um magistrado como o professor Dr. Joaquim Barbosa, a igreja de Cristo (e toda a cristandade) precisa visceralmente de um homem como Malafaia, cujas “grossuras” ao pregar trazem as mais cristalinas verdades de Deus e são, por isso mesmo, absolutamente imprescindíveis neste deserto frio e silente em que se transformou o Cristianismo moderno. Adianto-me até para dizer: “ai de nós se não fossem esses homens grossos que, com seus corações feridos, despejam revolta em todas as mídias e terminam por inspirar outros, até que a chama da Justiça faça eclodir um movimento genuíno de protesto prático, no qual os desconstrutores do Reino de Deus sejam silenciados ou paguem pelo mal que causaram à sociedade”.

Citei dois exemplos de homens que, com cicatrizes abertas de dor em seu passado, não conseguem mais falar mansinho ou delicadamente, mesmo quando se lembram de que pode haver crianças na sala ou cidadãos e cidadãs de bem, ávidos por uma palavra de consolo e esperança num mundo que erradicou a civilidade. Eu até poderia citar outros nomes, mas julguei correto e mais justo falar de mim mesmo, pois também creio ter perdido o controle de meu temperamento, respondendo sempre “com a espada desembainhada”, como dizia o apóstolo Paulo (muitas vezes também acusado de grosso ou inábil). Assim sendo, vou contar a minha história pessoal, como resposta àqueles que deixaram de me ouvir por conta do clima de revolta transparente em minhas preleções, ou pior, que passaram a adotar a maledicência como pseudossolução, numa possível desmoralização dos “maus” pregadores.

Pq pregamos com raiva2No histórico de vida de quase todos os grosseiros e revoltados, algo aconteceu que magoou profundamente as suas almas, lá na profundidade de seu psiquismo, e a dor decorrente pode ter sido tão intensa que o Sistema Nervoso Central não pôde frenar o desgaste emocional. Digo isso porque é assim que eu entendo as respostas iradas de um Joaquim Barbosa e de um Malafaia, e apresso-me a dizer que só encontro esta opção para satisfazer meus ouvidos (por eles agredidos) porque foi isso mesmo o que aconteceu comigo.

Eis a minha história pessoal. Trato aqui de minha experiência no meio da cristandade reformada, e não por não ter encontrado padres grosseiros e ignorantes (claro que os encontrei, inclusive o último, que celebrou meu casamento, um velhinho “grosso que só papel de embrulhar prego”, mas também um doce de criatura, do tipo “seu Lunga”), mas porque jamais pude pregar na Igreja e por isso nunca fui ouvido – adianto também que nunca preguei não porque tenha sido de alguma forma proibido disso, mas porque não há necessidade de ensinar no meio católico, conforme ditam as minhas crenças pessoais.

No meio evangélico, onde a necessidade de ensinar o bom e puro Evangelho é uma constante necessária para evitar a perda de almas, me dispus a revelar minhas “credenciais” desde cedo, não necessariamente confessando meus “diplomas” (até porque acho que diplomas não valem nada!), mas entrando de corpo e alma nas agendas de preleções das igrejas, tal como a maioria dos jovens pregadores fazem em suas classes de jovens e os senhores em suas classes de adultos. E aquilo foi ocorrendo sem maiores complicações (nos primeiros meses ou anos em cada igreja), na mútua simpatia que havia entre um missionário convicto e uma liderança eclesial que, para todos os efeitos, se apressa para aumentar o rebanho, nem que para isso esteja contando com um pregador “de intenção desconhecida”.

E o tempo passava e muitas almas se aproximavam de mim pela coerência espiritual herdada de CS Lewis, e a paz estava intacta por um bom tempo, até que a Verdade ficava maior que a minha capacidade de resumi-la ou enfeitá-la; e então as pontas de seus espinhos dolorosos escapavam de minha vigilância e espetavam minha língua, e assim eu acabava batendo com a língua nos dentes, contando o que deveria contar apenas para os fortes na fé, ou aqueles que já estavam divinamente preparados para receber alimento sólido. E isto se repetia sempre, em todas as igrejas. E o que acontecia na ocasião?

Ora; quando uma verdade dessas chegava aos ouvidos da audiência, seja no santuário ou numa classe de jovens e adultos, quase ninguém se continha para guardar a Palavra de Deus no coração, meditando nela como fazia Nossa Senhora ao ouvir o anjo! Ou seja, a beleza ou o pavor da verdade fazia crepitar as labaredas da inquietação, e as almas não se continham e corriam para os ouvidos do pastor e o contavam inocente ou maldosamente, do jeito deles, com as palavras deles, i.e., com os erros comuns de ignorantes que espalham boatos. Então o pastor, com ignorância igual ou herdada, pré-rotulando todas as suas experiências, imediatamente subia ao púlpito e destilava a sua verborragia intolerante, nem sempre poupando o “herege” de dura crítica inquisitória, às vezes até citando o nome da pedra no sapato que Deus lapidou pela pedra angular.

Nomes de herege e falso profeta eram as pechas menos pesadas atiradas nas costas do intruso daquele rebanho, e suas mensagens nada mais eram que “um outro evangelho”, sinônimo anátema, merecedor da excomunhão que eles mesmos condenavam quando a viam no Catolicismo. Experiência idêntica tem revelado um excelente pregador protestante, de nome Ricardo Gondim, cujas feridas jamais conseguem ficar ocultas nas entrelinhas de suas pregações e artigos, provando que a intolerância que eu sofri não é privilégio de um católico infiltrado, e sim de quem quer que ouse trazer o diferente, aliás, o velho “Cristianismo Autêntico”, que Lewis chamou de “Mero Cristianismo” com base em ideia de Baxter.

Ora. Mesmo quando alguém ensina num colégio uma matéria equivocadamente, em prejuízo dos alunos, a ideia não poderia ser “a da simples excomunhão pelo cheiro de heresia” que os inquisidores transformaram em lei. Professores que ensinam errado devem ser reciclados e não expulsos. Abra-se um conselho e todos o ouçam, como sugeria Gamaliel e a Torah, e depois vejam se se tratava de fato de um erro intencional, ou de mera ignorância. Se se deu esta última, recicle-se e evite-se mais um desempregado. Se foi erro intencional, veja-se se a visão do “herege” não foi mais longe, e não se dê o caso de ele haver mostrado algo além, e não aquém, para seus alunos. Afinal, líder algum pode ver tudo e, a rigor, a verdade ainda está a se revelar, e surpresas são a bola da vez em qualquer situação de busca do saber.

Quem sabe aquilo que o vulgo chama de heresia não possa ser a pura e divina luz do Mistério que Deus usou para falar por meio de um instrumento insuspeito por sua aparente incapacidade? E assim a minha experiência foi sendo vivida, e a cada nova igreja uma nova dor surgia, com feridas e agressões violentas e revoltantes, cujo futuro ficava na conta de curas que certamente só a Pátria Celestial poderia efetuar. Nem preciso lembrar de coisas como injúrias e calúnias, pois estas são “delicadezas” típicas dos homens sem alma, e Paulo disse que tais coisas nem se nomeiam entre cristãos. Refiro-me a processos dolorosos de desmoralização de uma reputação em meio fraterno, sem que tal violência nem de longe chegue a acusar a consciência de pastores e teólogos, como se somente eles fossem usados por Deus, e suas gargantas jamais merecessem o “vade retro” que Jesus deu a Pedro (muito melhor líder e pregador que eles!).

Enfim, isto tudo foi crescendo como chagas abertas na minha alma e chegou a um ponto em que a doença alcançou a ausência terrestre do remédio, modificando minha maneira comum de falar e dando-me o ar de eterno revoltado contra fantasmas distantes, prejudicando os ouvintes atuais que nada têm a ver com as inquisições de meu passado (nada têm a ver? Será mesmo?)…

O problema é que enquanto não houver uma verdadeira revolução na Educação Religiosa das igrejas e seu minucioso acompanhamento por parte de um aplicado estudo bíblico doméstico, além de uma boa dose de estudo teológico de vanguarda, todos os crentes serão no fundo inquisidores, promovendo a intolerância bíblico-teológica contra qualquer alma que ousar explicar o “a-b-c” por um alfabeto diferente ou mesmo em caixa alta (A-B-C).

Isto constitui o momento em que cada denominação constrói muros de intolerância ao redor daquilo que chamam de “seu corpo doutrinário”, e ai daqueles que ultrapassarem seus limites, como se houvesse no mundo qualquer corrente capaz de prender o Espírito que sopra aonde quer, tal qual os ventos. Ninguém concebe um Evangelho 100% livre como águia, feito para voar às alturas e sem distinguir qualquer denominação, formando apenas um Cristianismo único, no qual a palavra final não seja a do pastor, mas a da Razão baseada na lógica da fé. Cercando-se de todos os cuidados neste mister, as igrejas formaram quartéis, os quais Jesus queria que lutassem contra o diabo, mas que nelas agora lutam soldados ignorantes, uns contra os outros.

Eis a razão da revolta! Eis a ferida exposta! Por que cargas d’água um cristão deveria sofrer tanto pelas mãos de outro cristão? Por que os pastores criaram um verdadeiro reino unilateral e monocrático, onde só a palavra deles é a lei e a verdade? E quem disse que essas igrejas, verdadeiras fortalezas de vaidade e vacuidade, deveriam se encastelar de tal modo contra a doce voz do Espírito Santo, que sempre inspirou gente pobre e sem expressão?

Não é coincidência: é a pura bofetada da justiça quando se ouve as respostas de um Joaquim Barbosa, de um Ricardo Gondim ou de um Silas Malafaia! “Quiseram gritar sozinhos e caluniar os servos do Altíssimo, agora aguentem o machado sobre a raiz das árvores infrutíferas, sepulcros caiados e guias de cegos! Quem dera esqueçam o seu azeite!”…

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